Ordem dos Advogados pondera processar Estado por dívidas nas defesas oficiosas
A Ordem dos Advogados (OA) admite processar o Estado, caso o Governo não cumpra a promessa de pagar este mês a primeira tranche das dívidas a defensores oficiosos, que no total ascendem a 14 milhões de euros.
Em declarações à Agência Lusa, o bastonário da Ordem dos Advogados (OA), Rogério Alves, vincou que o Governo comprometeu-se a pagar durante este mês todos os valores em dívida aos defensores oficiosos (de pessoas sem meios financeiros para aceder à justiça) relativas a intervenções feitas até 30 de Setembro de 2004.
"Estamos a exortar, a alertar, a chamar a atenção do Governo, numa altura em que estamos a 13 dias das eleições, que deve, não só assumir o compromisso, como deve pagar" as dívidas, disse o recém- empossado bastonário dos advogados.
Há cerca de um mês, o antecessor de Rogério Alves, José Miguel Júdice, anunciou que o Ministério da Justiça iria pagar em Fevereiro cerca de 11 milhões de euros devidos aos advogados oficiais, ficando de fora os honorários vencidos no último trimestre de 2004.
Para Rogério Alves, é "importante que o Governo diga se o compromisso (de pagar este mês) está de pé e se neste cenário (de eleições e formação de novo Governo) vai ser concretizado ou não", pois "neste momento, já não há margem para muita especulação" quanto à data de pagamento.
Segundo Rogério Alves, a segunda parte do compromisso do actual Executivo previa que as oficiosas realizadas nos meses de Outubro, Novembro de Dezembro de 2004 seriam pagas, aproximadamente, entre Fevereiro/Março de 2005 e Abril/Maio de 2005, consoante se o pagamento se iniciasse em Fevereiro ou em Março deste ano.
"Isto permite-nos ter um horizonte claro, certo e rigoroso que o que está em dívida de todo o ano de 2004 será pago no calendário" previsto, ou seja, até Maio próximo, observou.
Rogério Alves lembrou que a classe está a falar de "um direito legítimo que é o direito de receber" o que lhes é devido, pelo que os advogados reclamam que o Governo, com "a máxima urgência", se pronuncie publicamente sobre os compromissos assumidos.
"Se o Governo não cumprir a sua palavra, vou ponderar a possibilidade de convocar uma Assembleia Geral e colocar essa questão ao Conselho Geral da OA", disse, frisando que, nesse cenário, pretenderá ouvir e inteirar-se da sensibilidade de toda a classe.
Nas suas palavras, a medida "mais imediata num Estado de Direito quando se é credor e não se recebe é accionar o devedor", pelo que a "decisão dura" de accionar judicialmente o Estado será devidamente analisada pelos responsáveis da Ordem.
O bastonário reconheceu que esta acção pode ter como objectivo "envergonhar" o Estado pelo seu incumprimento, já que vários Governos têm adoptado um "jogo cínico" de prometer pagar e, depois, não o fazer, na esperança que não sejam apontados a dedo os responsáveis por isso.
A propósito desta eventual acção em tribunal, Rogério Alves ironizou que por "coincidência lamentável" o próprio Estado "conseguiu criar uma situação de bloqueio das acções executivas (cobrança de dívidas)", pelo que a reformulação deste sistema figura nas prioridades da Ordem, a par do Acesso ao Direito, que inclui as defesas oficiosas.
Quanto a outras eventuais formas de luta, o bastonário reconheceu não ser adepto da "greve", tanto mais que a advocacia é sobretudo uma profissão liberal, mas não excluiu outras acções que possam vir a ser tomadas pelo Conselho Geral e das quais nada quis adiantar.
Rogério Alves entende também que é altura do poder político iniciar, com "carácter de urgência", a negociação quanto ao "novo formato do sistema de Acesso ao Direito", definindo "como é que se estrutura, financia e se garante esse financiamento".
O pagamento a advogados oficiosos movimenta anualmente entre os 30 a 35 milhões de euros, o que, de acordo com o bastonário, é uma verba "absolutamente aceitável e até escassa" quando se sabe que, por ano, são feitas entre 60 a 70 mil nomeações para patrocínio judiciário.
Na sua perspectiva, se o instituto do apoio judiciário não for estruturado, os sucessivos Governos estarão a "ludibriar as pessoas" com um sistema que "não garante um afectivo acesso à justiça".
"Temos de suscitar o debate político sobre o regime do acesso ao Direito. Temos de alterar um sistema que não funciona e o mecanismo de pagamentos", disse Rogério Alves, acrescentando que a actual "trapalhada" não pode servir de "álibi" para os atrasos nos pagamentos, porque a haver responsáveis o Governo diz que são os secretários judiciais que não pagam aos advogados e estes dizem que não têm verba, num "carrossel infernal" de desresponsabilização.
O bastonário considerou que a última lei sobre o Acesso ao Direito "deixou tudo na mesma, aumentou a indefinição, a incerteza e a insegurança das pessoas, além de restringir de uma maneira absurda as condições de acesso por parte dos cidadãos".
"Já não se diz às pessoas que só os pobres têm acesso aos defensores oficiosos, tem de se passar a dizer que só os paupérrimos é que passam a ter acesso à Justiça", ironizou.