Os grandes processos que Marques Vidal deixa a Lucília Gago

por RTP
Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República Tiago Petinga - Lusa

Nunca as operações do Ministério Público foram tão faladas como sob Joana Marques Vidal. Em seis anos, as investigações sucederam-se, sem poupar ninguém, por mais alto ou mediático que fosse o cargo ocupado, da política ao futebol e à banca, seguindo a bandeira da ainda procuradora geral, o combate à corrupção.

A nova PGR vai herdar alguns mega-dossiers ainda quentes: a Operação Marquês, Banco BES, Operação Lex, Vistos Gold, E-toupeira, Operação Cashball e as investigações aos incêndios em Pedrogão Grande, o ano passado, e a utilização dos fundos para a consequente reconstrução de casas nesta região.

Joana Marques Vidal garante a isenção que presidiu a todos as investigações. "Não há perseguições políticas nem pessoais" nos processos, afirmou esta manhã.

A procuradora-geral referiu a falta de recursos que afeta a celeridade dos processos mas sublinhou os resultados que alcançou nos últimos anos.

A Operação Marquês
O maior de todos os processos é sem dúvida, a Operação Marquês. Como principais arguidos, o ex-primeiro-ministro José Sócrates e um dos homens mais influentes de Portugal, o banqueiro Ricardo Salgado, entre outros 26 nomes.

A investigação, sob a tutela do procurador Rosário Teixeira, iniciou-se em 19 de julho de 2013, e viria a decretar pela primeira vez a prisão preventiva de um ex-primeiro-ministro, José Sócrates.

A acusação foi deduzida apenas em 11 de outubro de 2017. Nos próximos meses, um juiz de instrução decidirá se todos os 28 arguidos seguirão para julgamento. Sócrates está acusado de 31 crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada.

A origem da investigação decorre de uma outra, que visava Carlos Santos Silva, conhecido precisamente como "amigo de Sócrates" e também arguido na Operação Marquês.

Essa investigação detetou avultadas transferências bancárias indicando, de acordo com o Ministério Público, que o testa-de-ferro do antigo governante controlava várias contas offshore na Suíça que "escondiam" cerca de 23 milhões de euros.

Transferências e movimentações suspeitas de dinheiro, inúmeros esquemas e múltiplos intermediários, constituem os indícios apresentados pelo Ministério Público para acusar o ex-primeiro-ministro.

Os investigadores acreditam que o dinheiro, fruto de corrupção, pertence na verdade a José Sócrates. A apoiar as suspeitas, a enorme discrepância entre o estilo de vida luxuoso de Sócrates face aos rendimentos auferidos. Como referiu a investigação num ditado que ganhou celebridade, "quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem".

Quanto à origem do dinheiro, as investigações apontam três grandes corruptores, Ricardo Salgado, o Grupo Lena e três acionistas do empreendimento turístico de Vale do Lobo, no Algarve.
A queda do "dono disto tudo"
Ricardo Salgado é também o principal arguido do processo que decretou a resolução do BES, com um impacto na Economia estimado em 25 mil milhões de euros. A investigação produziu 17 arguidos, 14 pessoas singulares e três coletivas. Milhares de pessoas dizem-se lesadas através de esquemas de investimentos fraudulentos instaurados pelo banco.

Dentro do grupo e através de um esquema complexo através de diversas sociedades, o BES financiava indiretamente o GES e gerava neste um lucro fictício, resultante de diferentes taxas de juro. Os prejuízos do BES devido a esta engenharia financeira decretaram perdas de milhares de milhões de euros.
Vistos Gold e Operação Lex
Já quanto ao processo sobre os Vistos Gold, que envolve o ex-ministro Miguel Macedo, soube-se nas últimas horas que teve sentença adiada para 21 de dezembro. O julgamento decorre desde fevereiro de 2017.

Além de Macedo - que se demitiu de ministro da Administração Interna de Passos Coelho, envolve o ex-presidente do Instituto de Registos e Notariado e o ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Macedo arrisca pena de prisão "não superior a cinco anos" por três crimes de prevaricação e um crime de tráfico de influências.

Por sua vez, a Operação Lex acusa o juiz Rui Rangel de vender sentenças e influencia sobre colegas. O processo conta com 12 arguidos, entre eles a ex-mulher de Rangel e também juíza, Fátima Galante e Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, acusado de pedir favores a Rangel em troca de um lugar na Fundação Benfica.

O antigo presidente da FPF João Rodrigues, Fernando Tavares, o advogado Santos Martins e o filho Bernardo Santos Martins, são outros dos nomes suspeitos de corrupção/recebimento indevido de vantagem, branqueamento de capitais, tráfico de influências e fraude fiscal.

A procuradora-geral espera que o combate à corrupção vá continuar a ser prioridade do Ministério Público. Mas lembrou também que é uma tarefa transversal a toda a sociedade.

Corrupção no futebol
Quanto ao futebol, o destaque vai para o E-toupeira, que acusa dois funcionários judiciais, a SAD do Benfica e o antigo assessor jurídico do clube, Paulo Gonçalves, de vários crimes. Corrupção, recebimento indevido de vantagem, favorecimento pessoal, violação de segredo de Justiça, peculato, acesso indevido, violação do dever de sigilo e falsidade informática.

Por sua vez, a Operação Cashball envolve dois funcionários do Sporting e o suborno de árbitros. As investigações encontraram 60 mil euros no gabinete de André Geraldes, então diretor-geral do clube, que serviriam alegadamente para aquele fim.
Incêndios de Pedrógão Grande
Recentemente, as investigações aos incêndios de Pedrógão Grande, no verão do ano passado, deram origem a dois processos distintos.

Por um lado, investigação judicial ao que falhou no combate ao fogo e no socorro às vítimas revelou que as "populações foram deixadas desprotegidas". Dezoito arguidos estão a ser investigados mas nem todos deverão ser acusados.

Entre eles estão Mário Cerol, responsável por comandar as operações no terreno, António Arnaut, comandante dos bombeiros de Pedrógão Grande, e Sérgio Gomes, comandante distrital, hospitalizado durante o incêndio e que tentou comandar as operações através do telefone.

O Ministério Público investiga ainda as fraudes na reconstrução das casas danificadas pelo incêndio e o Departamento de Ação e Investigação Penal de Coimbra já tem quatro suspeitos no caso.
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