"pai" do prédio Coutinho completa 89 anos, "prenda" poderá ser demolição
O homem que mandou construir o "prédio Coutinho" completa quarta-feira 89 anos, um aniversário "com sabor amargo" porque poderá ser o último vivido naquele edifício de 13 andares, caso se consume a sua demolição.
Fernando Coutinho diz que há muito que não tem por hábito festejar o seu aniversário, mas confessa que o que cumpre na quarta-feira tem um significado "bem especial", tendo em conta "as notícias dos jornais" que apontam para este ano a demolição do edifício de que é "pai".
"Este prédio é como se fosse um filho meu. Investi aqui o dinheiro que juntei em mais de 50 anos como emigrante no Zaire. Tenho aqui o meu lar há 30 anos e é aqui que quero morrer. Arrancarem-me daqui é mandarem-me ali para cima", diz, comovido, apontando na direcção do cemitério da cidade.
Diz-se "apagado" com os "seis anos de ansiedade" em que tem vivido desde que, em meados de 2000, o presidente da Câmara de Viana do Castelo, o socialista Defensor Moura, disse "aos jornais" que queria demolir aquele edifício, ao abrigo do Programa Polis, por o considerar o "maior aborto urbanístico" do Centro Histórico da cidade.
"Ele [Defensor Moura] até já viveu aqui e, na altura, dizia maravilhas do prédio. Agora, quer deitá-lo abaixo porquê? Por que é que não nos deixa em paz, nas nossas casas?", questiona, num misto de angústia e de esperança de que, "à última da hora", haja "um milagre qualquer" e o "prédio Coutinho" continue de pé.
Cerca de 500 mil euros foi quanto Fernando Coutinho investiu na construção do prédio, que depois de algumas peripécias, desde um embargo da Comissão Administrativa da Câmara até uma tentativa de invasão por parte das forças revolucionárias da altura, ficou pronto em 1975 e recebeu os primeiros moradores no ano seguinte.
"Eu até nem queria um prédio tão alto, mas foi o Governo anterior à Revolução [de 25 de Abril] e a própria Câmara da altura que exigiram que fosse assim. Fiz tudo como me mandaram, tenho todas as licenças, não percebo o porquê desta perseguição. O meu erro foi ter investido em Viana do Castelo, porque se o tivesse feito numa grande cidade, certamente que agora estaria em paz em sossego", refere.
Nestes anos de "angústia", tem valido a Fernando Coutinho o apoio da mulher, Rosa Amélia, de 82 anos, e a presença carinhosa da Twiggy, uma cadelinha que, desabafa, "é a alegria do lar".
"É a nossa companhia, é ela que nos vale, é ela que nos alegra os dias. Não a dava por dinheiro nenhum", refere, enquanto afaga aquela a quem nos últimos anos tem confessado, em surdina, a dor que lhe assalta a alma sempre que vê, lê ou ouve "mais uma notícia" sobre o fim do prédio.
"O que mais me dói ainda é que nunca ninguém [da Câmara ou do Polis] falou comigo sobre isto", desabafa.
A sociedade gestora do Programa Polis de Viana do Castelo (VianaPolis) já abriu concurso público para a demolição do prédio Coutinho, mas a obra só será adjudicada depois de julgadas as cinco providências cautelares interpostas pelos moradores no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga para assegurar a manutenção dos seus lares.
No edifício vivem cerca de 300 pessoas, uma boa parte das quais contesta a demolição e promete esgotar as vias judiciais para a evitar, mas a VianaPolis estima que a demolição se concretize até Setembro, para no local ser edificado o novo Mercado Municipal.
Entretanto, já estão prontos há mais de um ano os dois blocos habitacionais, um no Largo das Almas e o outro no Largo de Santa Catarina, para realojar os moradores do "Coutinho", mas a esmagadora maioria das persianas continuam corridas, à espera de inquilinos.
A demolição do "prédio Coutinho" foi ratificada pela Assembleia Municipal de Viana do Castelo em Fevereiro de 2002, com 47 votos a favor provenientes da bancada socialista, 27 contra (do PSD, PP e CDU) e uma abstenção de um presidente de junta independente.
Os entraves colocados à operação têm sido os principais "responsáveis" pelo "resvalar" do prazo de conclusão do Programa Polis de Viana do Castelo, que inicialmente apontava para finais de 2003 mas que agora foi fixado em meados de 2007.
O relógio gigante que marca a contagem decrescente do Polis, ironicamente instalado mesmo em frente ao "prédio Coutinho", já teve que ser acertado por mais que uma vez, sendo agora a grande aposta dos moradores que ele "avarie de uma vez por todas", deixando assim de os "torturar".
"Vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que isso aconteça", garante o administrador do condomínio, Marçal Teixeira, que tem sido um dos principais rostos da contestação à demolição.