"Pai" do prédio Coutinho faz 90 anos e não quer ver demolição
O "pai" do prédio Coutinho completa quinta-feira 90 anos e pretende como prenda de aniversário mais desejada o abandono da ideia da demolição daquele edifício de 13 andares.
"A melhor prenda que me podiam dar era arrumarem de vez este assunto e deixarem-me viver aqui em paz e o sossego, pois é aqui que moro há 32 anos e aqui gostava de morrer", pede Fernando Coutinho, enquanto lança um olhar sobre Viana do Castelo, do alto do 12º andar do prédio mais polémico da cidade.
A Câmara e o Programa Polis querem demolir aquele edifício por considerarem que se trata "do maior aborto urbanístico" do Centro Histórico da cidade de Viana do Castelo, mas um grupo de moradores avançou para os tribunais para assegurar a manutenção dos seus lares.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga já deu provimento a duas das cinco providências cautelares interpostas pelos moradores, estando todo o processo, neste momento, suspenso.
Fernando Coutinho sabe que a prenda que pede para o seu 90º aniversário não passa, pelo menos para já, de um sonho, mas pelo menos este ano já vai poder apagar as velas sem o "fantasma" do relógio gigante que desde 2000 fazia a contagem decrescente do Programa Polis e que estava instalado no jardim da Marina, precisamente frente ao "seu" prédio.
O relógio foi retirado há alguns dias, por não ser possível fixar uma data para o final das intervenções do Polis, devido ao processo judicial que envolve o prédio "Eu até evitava olhar para esse maldito relógio, mas a verdade é que ele estava ali, impiedoso, mesmo frente à minha janela. Agora, o horizonte sempre está menos poluído. O relógio foi à vida e o meu prédio continua de pé", ironizou Fernando Coutinho.
Afirma que não tem palavras para descrever o que sente quando vê ou ouve mais uma notícia sobre o prédio que construiu com as economias que juntou ao longo de 52 anos a trabalhar no Zaire, "desde das 03 da manhã às 11 da noite, sete dias por semana".
"Este prédio é como se fosse um filho meu.
Arrancarem-me daqui é mandarem-me ali para cima", refere, comovido, apontando na direcção do cemitério da cidade.
Coutinho diz-se "apagado" com os "sete anos de ansiedade" em que tem vivido desde que, em meados de 2000, o presidente da Câmara de Viana do Castelo, o socialista Defensor Moura, disse "aos jornais" que queria demolir aquele edifício, "por o achar feio" "Ele [Defensor Moura] até já viveu aqui e, na altura, dizia maravilhas do prédio. Agora, quer deitá-lo abaixo. Mas porquê? Porque é que não nos deixa em paz, nas nossas casas?", questiona.
E recorda que também ele teve "a sentença" há 26 anos, quando os médicos portugueses lhe disseram que o seu problema de intestinos não tinha cura.
"Como Deus é grande, continuo por cá, depois de ter sido operado em Inglaterra", desabafou.
Cerca de 500 mil euros foi quanto Fernando Coutinho investiu na construção do prédio, que, depois de algumas peripécias - desde um embargo da Comissão Administrativa da Câmara até uma tentativa de invasão por parte das forças revolucionárias da altura - ficou pronto em 1975 para receber os primeiros moradores no ano seguinte.
"Eu até nem queria um prédio tão alto, mas foi o governo anterior à Revolução [de 25 de Abril] e a própria Câmara da altura que exigiram que fosse assim", recorda Coutinho.
E acrescenta: "fiz tudo como me mandaram, tenho todas as licenças, não percebo o porquê desta perseguição.
O meu erro foi ter investido em Viana do Castelo, porque se o tivesse feito numa grande cidade, certamente que agora estaria em paz em sossego", lamenta.
Nestes anos de "angústia", tem valido a Fernando Coutinho o apoio da mulher, Rosa Amélia, de 82 anos, e a presença carinhosa da Twiggy, uma cadelinha que, garante, "é a alegria do lar".
"É a nossa companhia, é ela que nos vale e nos alegra os dias. Não a dava por dinheiro nenhum", confessa.
No prédio Coutinho viviam cerca de 300 pessoas, mas a maioria já abandonou o edifício, após negociações com a Polis, restando agora cerca de meia centena de "resistentes", garantindo que, enquanto os tribunais não decidirem sobre os processos que intentaram para assegurar a manutenção dos seu lares, só dali sairão à força.
Como um bom timoneiro, Fernando Coutinho garante que será o último a abandonar o barco.
"A esperança é a última a morrer e, por isso, hei- de lutar até ao fim", afirma.