Pais exigem no Porto respostas para alunos com Necessidades Educativas Específicas
Dezenas de pais concentraram-se hoje, no Porto, para denunciar a falta de respostas para os alunos com Necessidades Educativas Específicas (NEE), casos de abuso, negligência e violência porque "a inclusão não é um favor, é um direito".
Mãe de duas crianças (7 e 9 anos) com autismo, Sara Sequeiros já fez "muitas experiências", como a própria descreve, desde recorrer a escolas privadas, a apoios públicos que "acabam sempre por ser insuficientes" e ao ensino doméstico, uma opção tomada após perceber que o filho não tinha a atenção necessária. Opções que lhe puseram a carreira de investigadora com bolsa FCT "em pausa" e às quais vai conseguindo dar resposta "graças ao apoio de familiares".
À Lusa, conta o que ouviu de uma diretora há uns tempos: "Já lhe damos mimos e comida, o que podemos dar mais?". Para esta mãe faltam respostas, apoio, mas sobretudo orientação, estrutura para proporcionar uma aprendizagem de acordo com as necessidades de cada criança.
"Cheguei a ouvir coisas como ele [menino de 9 anos com autismo severo] não tem os pré-requisitos para a aquisição da leitura e da escrita, quando estamos a trabalhar isso com ele a nível individual desde o pré-escolar. E ele lê. Só que lê não através do método sintético-analítico, que é aplicado de forma geral nas escolas. Nós começamos a trabalhar o método global. Demora? Sim. Em vez de demorar um ano, pode demorar três, mas é possível", desabafa, contando que o filho regressou à escola porque "ele próprio ia para janela e dizia que queria ir, sentia a falta dos pares, de estar com os colegas", mas "todo o trabalho de estimulação e terapêutico tem sido feito a nível particular e individual".
O caso de Marlene Albano, mãe de um rapaz de 15 anos com Trissomia 21 é diferente e igual ao mesmo tempo. Para estar hoje de manhã no protesto organizado pelo Lions Clube Lisboa Inclusão (Lcli) junto à Direção de Serviços da Região Norte da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE Norte) teve de meter um dia dos 21 de férias que tem, pedir ao avô do menino para ficar com ele e levar a filha mais nova ao ATL da escola.
"Porque para ela há ATL. Para o meu menino de 15 anos não há nada. Dos 15 aos 18 não há nada. São obrigadas a andar na escola, mas a escola não dá condições para férias, para nada. O pai foi embora e a mãe tem de trabalhar, não tem três meses de férias. As escolas trabalham para conseguir aumentar as médias às crianças. Uma criança de ensino especial normalmente, entre aspas, não interessa", lamenta.
O próximo passo após o verão é integrar o filho num estágio, mas já "bateu a muitas portas", como relata à Lusa, e a resposta é: "mande-nos um `email` e logo se vê".
"No papel os planos estão muito bem feitos, está muito bem escrito, as vírgulas estão todas lá, mas na prática não temos nada", atira ao lado de uma faixa onde se lê "A inclusão não é um favor, é um direito" e de cartazes com a frase "Dignidade e equidade para todas as crianças. + Respeito".
E é exatamente sobre "dignidade" e "respeito" que Branca Célia Dias, do Lcli, fala à Lusa, enumerando relatos de famílias sobre maus-tratos e abusos, desde uma criança colocada numa arrecadação numa escola do Grande Porto porque estaria "a perturbar os colegas" ao diretor de um agrupamento de escolas do Alentejo que proibiu os pais de fazer sugestões e reclamações por escrito "para que não fique nada registado", casos que juntamente com outros o Lcli ameaça denunciar ao Ministério Público.
"O decreto da educação inclusiva, o 54 de 2018, é muito bonito, sem dúvida que é, aprofunda o que foi discutido em 94 na Declaração de Salamanca, mas infelizmente não sai do papel (...). As escolas estão a adotar e a interpretar a legislação conforme lhes convém. Então temos escolas a agir de forma diferente. Umas têm mais sensibilidade, outras não têm (...). Compete ao senhor ministro da Educação fazer uma avaliação da legislação, olhar para as escolas públicas e dotá-las de recursos humanos e técnicos", considera.
Ao Lions Inclusão já chegaram relatos de pais que têm de custear os materiais de apoio e informáticos "mesmo em escolas públicas" ou mesmo "levar profissionais de fora para quase que dar formação a quem lá trabalha".
"As portas fecham-se todas a toda a hora. Temos aqui uma mãe grávida que o filho nasce neste mês e não tem onde colocar o outro filho [8 anos com NEE], uma criança que foi vítima de agressões psicológicas, físicas. Cinco escolas recusaram-lhe a matrícula. A Constituição da República diz que a educação é universal, obrigatória e gratuita. Será mesmo?", questiona Branca Célia Dias.
A concentração de hoje coincide com o debate parlamentar sobre Educação Inclusiva que discute a petição promovida pelo Movimento por uma Inclusão Efetiva assinada por mais de 10 mil pessoas.