Pão-de-ló de Alfeizerão a caminho de ser marca certificada
O pão-de-ló de Alfeizerão vai ser elevado este ano à categoria de marca certificada, garantindo a originalidade de uma receita centenária das monjas de Cister, perpetuada naquela vila de Alcobaça.
A forma de fabrico, em particular a cozedura que garante um interior liquefeito, está a ser objecto de um processo de certificação, que poderá impedir a futura venda da marca em grandes superfícies comerciais, pelo menos como agora sucede.
"Nos hipermercados, não há nenhum pão-de-ló que seja mesmo de Alfeizerão como eles dizem, porque o bolo não pode ter nenhum corante ou conservante e tem um prazo de validade de apenas quatro ou cinco dias", explica Helena Monteiro de Castro, proprietária da pastelaria mais antiga da vila, que herdou a tradição das monjas de Cister.
A Casa do Pão-de-ló de Alfeizerão foi fundada em 1925 pelo antigo pároco da vila, para promover este bolo típico, que já era feito pelas famílias nos dias de festa para ser leiloado.
Depois desta casa, foram fundadas outras quatro fábricas ou pastelarias de pão-de-ló que também pretendem manter o produto com as suas características originais, pelo que Helena Monteiro de Castro admite alargar o processo de certificação aos empresários da vila que mostrarem interesse.
"Fomos nós que iniciámos este processo mas seria bom que outros fizessem o mesmo", considera a empresária, defendendo que só a certificação do método de fabrico garante que o "produto não é desvirtuado".
Nesse sentido, a proprietária da Casa do Pão-de-Ló de Alfeizerão pondera depois impedir judicialmente a utilização abusiva do nome na venda de outros bolos nas grandes superfícies comerciais "que não têm estas características antigas nem têm a qualidade final" daquilo que é feito na vila.
E o segredo é simples: está tudo no tipo de cozedura. De resto trata-se de um pão-de-ló tradicional, com açúcar, ovos, farinha, limão e canela. Depois, a cozedura rápida, com o forno muito quente, transforma o interior em recipiente líquido de açúcar e ovos, que compõem "um aspecto e sabor únicos".
Leonilde Bento, de 53 anos, começou a fazer bolos aos 12 anos e agora é pasteleira na Casa do Pão-de-Ló de Alfeizerão, procurando manter as tradições que também são familiares.
"Muitas famílias ainda fazem o pão-de-ló em casa como se faz aqui e o bolo é um tradição que é muito querida pelas pessoas da terra", afirmou, enquanto partia os ovos para mais uma fornada.
A sala de fabrico é em tudo semelhante à de uma pastelaria normal, com excepção para as dezenas de caixas onde são colocados, ainda a ferver, os bolos acabados de sair do forno.
Depois de uma cozedura de um quarto de hora, a pasteleira retira os bolos de moldes circulares em cobre e coloca-os em caixas quadradas, que lhe irão dar a forma e servir de refúgio até chegarem aos clientes.
A lenda conta que este cartão de visita da doçaria do Oeste foi criado a partir de um erro de fabrico, no final do século XIX, aquando de uma visita de D. Carlos a São Martinho do Porto e a Alfeizerão.
"Parece que uma das monjas estava tão nervosa com a visita do rei que tirou o pão-de-ló antes do tempo. Mas afinal, o resultado do erro ficou melhor que o original", recorda Helena Monteiro de Castro.
A receita foi levada para a antiga vila piscatória de Alfeizerão pelas religiosas do mosteiro de Cós, a variante feminina dos monges cistercienses de Alcobaça, que fugiram para aí depois das revoluções liberais de 1820.
Apesar da antiguidade da receita, a fama só veio no início do século XX com a utilização de São Martinho do Porto como estância de férias para as classes altas, que paravam em Alfeizerão para levar o pão-de-ló a todos os pontos do país.
Helena Monteiro de Castro salienta que o bolo foi um sucesso mesmo no Japão, visto que existem em vários locais daquele país receitas semelhantes ao pão-de-ló de Alfeizerão.
"Devem ter sido os nossos marinheiros que levaram a receita para tão longe e agora é habitual termos excursões de japoneses que param em Alfeizerão por causa disso", explica.
Por seu turno, Maria Natividade Marques, presidente da Junta de Alfeizerão, afirma-se como uma das principais adeptas da certificação do pão-de-ló de modo a "afastar outros bolos que não têm garantias e podem dar mau nome à vila".
Além disso, a autarca espera que este projecto venha a dar um impulso para a criação de um pequeno museu sobre a gastronomia e doçaria local, cabendo as honras maiores ao pão-de-ló.
"Gostaríamos de ter uma coisa bonita e que honrasse esta tradição", justificou.