"Pastoreio virtual" aplica novas tecnologias a actividade tipicamente tradicional
Vila Real, 06 Mai (Lusa) - A tradicional actividade pastoril vai sofrer um grande incremento tecnológico através do projecto de "pastoreio virtual", que vai permitir a monitorização automática, através de redes de sensores sem fios, da área de pasto e do rebanho.
A pedido da Câmara de Sabrosa, uma equipa de seis investigadores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), dos departamentos de Zootecnia e Engenharias, está a desenvolver o projecto "pioneiro" de "Pastoreio Virtual".
O objectivo é "aplicar as novas tecnologias a uma actividade tipicamente tradicional", disse à Agência Lusa o chefe do projecto, Jorge Azevedo, professor do departamento de Zootecnia, que há mais de 20 anos se dedica à investigação dos pequenos ruminantes.
Para além da modernização da actividade pastoril, o projecto vai desempenhar ainda um "importante papel" na prevenção dos fogos florestais.
"Hoje já não se coaduna que os pastores tenham que andar diariamente vários quilómetros em busca de pastos, quer faça sol, vento, quer chova ou neve", afirmou o presidente da Câmara de Sabrosa, José Marques.
O autarca diz que, à semelhança do que no aconteceu um pouco por toda a região transmontano, no seu concelho registou-se uma grande diminuição do número de pastores, que estão também cada vez mais envelhecidos.
Segundo referiu, na década de 80 havia "imensos" rebanhos com mais de 200 cabeças de gado na zona Norte do concelho.
Actualmente existem apenas cerca de 20 pastores ou produtores no concelho e não há nenhum rebanho com mais de 200 animais.
"Há uma diminuição significativa e também um envelhecimento acentuado dos pastores, pelo que lhes é difícil manterem essa prática ancestral de andarem vários quilómetros à procura de pastos", salientou.
Por isso mesmo, a UTAD está a desenvolver um sistema que, de modo automático, vai permitir a gestão do pastoreio recorrendo à utilização de redes de sensores sem fios.
Ou seja, a área piloto escolhida na freguesia de Paços, Sabrosa, vai ser delimitada em "três ou quatro" zonas de pastoreio e, em cada uma delas, vai ser implementado um sistema que vai permitir observar em "tempo real" todo o processo.
José Marques explicou que se trata de um "projecto de gestão integrada desde o pasto, crescimento vegetal, até ao desenvolvimento animal", que será "monitorizado recorrendo a um suporte tecnológico".
"Vamos aplicar modelos de propagação que permitem, numa primeira fase, a detecção de vegetação e material combustível existente nessa área. Numa segunda fase, poder-se-á acompanhar o comportamento do rebanho, determinando a altura ideal para abate, para aproveitamento de leite ou de lã", explicou o investigador Carlos Serôdio, do departamento de Engenharias da UTAD.
Para a "gestão vertical" do processo está a ser estudada a aplicação do OSS (Operating Support Systems), que fornece toda a informação em tempo real e vai permitir a comunicação entre a rede de sensores e um sistema central, que poderá ficar instalado na UTAD, na câmara ou até mesmo na casa do pastor.
Cada um dos intervenientes no processo terá uma função diferente.
Por exemplo, à UTAD caberá acompanhar a parte tecnológica, determinar como estão a funcionar os sensores, se algum foi destruído e proceder à sua substituição imediata, para evitar o extravio de animais.
Ao pastor caberá mudar o rebanho de uma área de pastoreio para outra, podendo, no entanto, também vir a serem colocadas sebes electrónicas, que poderão abrir automaticamente para permitir a passagem dos animais de uma zona para a outra.
Quando se verificar a necessidade de deslocação do rebanho de uma área para outra, o pastor poderá ser avisado através de uma mensagem de telemóvel.
Nas áreas determinadas poderá ser criada uma zona de passagem, onde poderá ser instalada uma balança que vai aferindo o peso dos animais, e, também através de uma mensagem de telemóvel, a equipa de Zootecnia poderá ser avisado que determinado número de animais está pronto para abate.
"Inclusive poderá também ficar determinada a entidade que fará esse abate, que será automaticamente avisada para o efeito", salientou Carlos Serôdio.
O responsável referiu que uma das preocupações da aplicação da tecnologia neste tipo de ambientes é garantir que os sensores ficam "invisíveis", ou seja eles vão ser enterrados no solo.
"Vamos aliar a tradição com as novas tecnologias. O conhecimento do pastor é sempre importante para ajudar a montar toda esta estrutura e, se a tecnologia falhar, o pastor pode substituí-la", referiu Jorge Azevedo.
José Marques referiu que, depois de desenvolvido o modelo e a tecnologia a utilizar, o próximo passo é ir para o terreno, o que poderá acontecer dentro de mais ou menos dois meses.
E porque a participação dos pastores no projecto é um dos "aspectos fundamentais", a câmara de Sabrosa vai fazer uma apresentação pública dentro de algumas semanas.
"Já está definida a área piloto, na freguesia de Paços, e identificados os produtores que poderão participar no projecto, faltando agora trabalhar a questão da sensibilização dos pastores", frisou o autarca José Marques.
O projecto de pastoreio virtual vai ser objecto de uma candidatura ao Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN).
Dependendo dos resultados da fase piloto, o autarca considera que o projecto poderá ser estendido aos concelhos limítrofes de Vila Real, Vila Pouca de Aguiar, Alijó ou Murça.
Para além do incremento económico da actividade e da criação de melhores e mais fáceis condições de trabalho para os pastores, José Marques considera que o projecto poderá atrair os jovens.
"Queremos implementar esta actividade económica no concelho. Ter carne de excelente qualidade e criar uma dinâmica para optimizar e potenciar as condições para a produção deste tipo de tipo de ruminantes, ovelhas ou cabras, e a sua comercialização", salientou.
Por sua vez, Jorge Azevedo destaca o papel do projecto na diminuição dos incêndios florestais e na intensidade dos mesmos.
"Com a intensificação do pastoreio reduz-se a quantidade de material combustível. Ou seja, na fase inicial do projecto, será aplicada a técnica de fogo controlado nas áreas determinadas para a renovação das pastagens", acrescentou o investigador.
À produção de carne e leite, junta-se a diminuição dos incêndios, o que, para Jorge Azevedo, representa uma "mais valia considerável".
O investigador identifica como uma das causas responsáveis pelo aumento dos incêndios, precisamente a diminuição do número de pastores e de animais.
A equipa universitária envolvida no projecto integra, para além de Jorge Azevedo e Carlos Serôdio, Pedro Mestre, Miguel Rodrigues e Luís Ferreira e Severiano Silva.
O departamento de Zootecnia da UTAD tem promovido nos últimos anos vários trabalhos de investigação ligados aos pequenos ruminantes, desde a reprodução, melhoramento genético, alimentação ou fisiologia animal, e também na produção de carne.
Jorge Azevedo é também um admirador e defensor do pastor.
O professor refere que nas acções de formação aos que a universidade tem promovido, faz questão que os seus alunos estejam presentes na sala.
"Ainda temos muito a aprender com os pastores. São indivíduos muito cultos e uma capacidade de memória notável que lhes permite identificar cada animal do seu rebanho", frisou.
Para este responsável, a única "rudeza que o pode caracterizar resulta de uma maior ou menos isolamento em que os pastores vivem".
"Os pastores possuem um manancial de sabedoria que normalmente desprezamos", concluiu.