Pedreiro, memória de um trabalho quase escravo

A história do trabalho semi- escravo que pontuou no Portugal do Estado Novo reserva uma página especial aos pedreiros de Águas Santas, Maia, que durante decénios fizeram jornas de sol a sol em troca de quase nada.

Agência LUSA /

Alfredo Ferreira da Silva, 78 anos, é um dos poucos sobreviventes desse tempo em que a indústria da extracção de pedra já tinha descoberto a pólvora, mas ainda não usava o martelo pneumático, que veio suavizar a rudeza do mal pago ofício.

"Já não há ninguém disposto a entrar num ofício escravo como este", diz Alfredo Ferreira da Silva, que domingo vai ter, provavelmente, o seu primeiro dia de glória numa vida longa de quase oito décadas.

A autarquia de Águas Santas vai erguer um monumento ao pedreiro-montante e Alfredo Ferreira da Silva vai ser o "convidado especial".

"Até me vêm buscar de carro", diz, orgulhoso.

O septuagenário contou hoje à Agência Lusa que nunca meteu um cigarro na boca, mas assegurou que os seus pulmões se "queixam" como se fosse o mais inveterado dos fumadores.

Explica o pedreiro, reformado desde os 65 anos, que tem a "caixa de ar" afectada por silicose, poeira de grãos de sílica, por ter andado mais de meio século a partir pedra para auferir um "soldo" diário que "dava para comprar um quarto de boroa e pouco mais".

Nunca "tratou dos papéis" para um complemento de pensão por causa dessa doença profissional, pelo que está reformado com pouco mais de 200 euros, minguada recompensa para quem se deu ao mundo do trabalho "durante uma vida".

"Do mal, o menos", nunca teve um acidente, embora ainda recorde, "como um pesadelo", uma explosão mal controlada que cegou um "oficial" do seu ofício.

Alfredo Ferreira da Silva começou na arte da pedra aos dez anos de idade como "rapaz dos picões", tendo por missão levar ao ferreiro, para afiar, os instrumentos com que os seniores venciam a teimosia da pedra - picões, guilhos e brocas.

Cinco anos volvidos, era já pedreiro-montante na Caverneira, a maior de entre dezenas de pedreiras que eram exploradas em meados do século XX em toda a área entre o Porto e o centro da Maia.

A Caverneira "era local de grande azáfama, com centenas de musculados operários trabalhando em tronco nu ou vestindo camisola interior de meia-manga, com o lenço tabaqueiro sempre à mão para limpar os músculos", descreve o presidente da Junta de Águas Santas, Manuel Correia, no boletim da autarquia.

Quando surgiu o cimento armado, a exploração do granito entrou em declínio e a profissão perdeu fulgor numa localidade que se transformou em dormitório de gente que trabalha em escritórios e lojas do Porto.

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