Pingo Doce faz gastar milhares de euros do erário público contra sem-abrigo

por RTP
Jerónimo Martins

Um tribunal do Porto acaba de condenar um sem-abrigo a multa de 250 euros por tentar furtar um polvo e um champô, no valor de 25,66 euros. Não é certo que o homem venha a cumprir pena, por não ter paradeiro fixo. Entretanto, a cadeia Jerónimo Martins está a ser alvo de reprovação por – face ao valor do furto - ter decidido avançar com um processo que terá custado milhares de euros aos portugueses. O Pingo Doce defende-se: manteve a queixa para estabelecer o exemplo e não "dar sinais errados à comunidade".

"Quem tem um negócio de portas abertas ao público, como é o caso, está particularmente vulnerável ao pequeno furto e não pode deixar de agir, sob pena de dar sinais errados à comunidade" e "neste caso, a pessoa em causa já estava referenciada nas lojas do Porto como alguém que tinha incorrido, por diversas vezes, neste tipo de comportamento", sustenta o grupo Jerónimo Martins, para justificar a decisão de não desistir do processo contra o sem-abrigo que tentou furtar um polvo e um champô. O sem-abrigo foi condenado ao pagamento de uma multa de 250 euros, que pode ser substituída por trabalho comunitário


"Perante uma prática criminalmente punível, cumpre aos particulares apresentar a queixa e indicar testemunhas. Foi o que fizemos", acrescenta o grupo.

Há cerca de dois anos, em fevereiro de 2010, um sem-abrigo à volta dos 40 anos entrou no Pingo Doce da Praça Afonso V, no Porto, e escondeu sob a roupa uma embalagem de champô e outra de polvo. Quando tentava sair da loja, foi abordado por um segurança, que recuperou os artigos no valor de 25,66 euros. Todos estes factos foram hoje dados como provados pelo tribunal dos juízos criminais do Porto.

O caso chegou ao tribunal porque a Jerónimo Martins não desistiu de queixa e, tratando-se de crime semipúblico, obrigou o Ministério Público a avançar com a acusação. O tribunal condenou o sem-abrigo por crime de furto simples, porque "passou a linha de caixa sem pagar" e não ficou provado que os bens em causa fossem para "satisfazer necessidades imediatas".

"O exercício da ação penal prerrogativa é do Estado. Em crimes, como este, puníveis com penas não superiores a cinco anos de prisão, o Ministério Público pode optar por não julgar o arguido e fazer uso da injunção, uma medida corretiva de natureza pedagógica (por exemplo trabalho a favor da comunidade). Não foi aqui o caso, mas essa possibilidade existe", explicou o Pingo Doce.
“Isto é gozar com os tribunais”
Depois de conhecida a sentença, o advogado de defesa Pedro Miguel Branco considerava que "este tipo de processo merece outro tipo de tratamento penal. Isto é gozar com os tribunais. São bagatelas formais".
"Existe em Portugal uma justiça para ricos e outra para pobres. O pobre, se rouba um pão, vai preso. Um rico, se rouba um milhão, sai ileso"

Pedro Miguel Branco, advogado de defesa

O causídico pediu ao tribunal  que o seu cliente pudesse ver a pena (multa de 50 dias a cinco euros o dia) substituída por trabalho comunitário.

O caso ganha novos contornos de inutilidade por não ser reconhecida uma residência fixa ao arguido, o que aponta para uma difícil notificação.

Nesse sentido, refere o seu advogado que este é o tipo de crimes que "não merece ocupar o tempo" dos tribunais, já que existe a alternativa de suspensão provisória do processo - que os "grandes grupos económicos não aceitam", porque "não têm custos" por apresentar queixas.
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