População do Intendente em Lisboa continua insegura apesar de intervenção municipal

Um ano e meio depois do início da intervenção municipal no Intendente, Lisboa, mais de 860 toxicodependentes e prostitutas receberam apoio, mas a população local ainda se queixa de insegurança e acredita que há muito por fazer.

Agência LUSA /

A Câmara de Lisboa desenvolveu a partir de Julho de 2001 um plano de recuperação da zona do Intendente, com o objectivo de promover a reinserção social dos toxicodependentes e prostitutas e a reabilitação urbana daquela área.

Inicialmente foram retirados do Largo do Intendente vários camiões que serviam de abrigo aos toxicodependentes e foram criadas equipas de rua, estruturas de apoio social e espaços para banhos, articuladas com hospitais e centros de apoio aos toxicodependentes, acção que foi acompanhada por um reforço da Polícia Municipal.

No âmbito deste projecto, que envolve mais de 50 técnicos das instituições sociais parceiras da autarquia, cerca de 200 toxicodependentes foram encaminhados para centros de acolhimento, albergues ou comunidades terapêuticas, enquanto 388 pessoas foram enviados para unidades especializadas de tratamento, de acordo com dados da Câmara de Lisboa.

Quanto à prostituição, as equipas de rua contactaram 352 mulheres, que recebem acompanhamento, estando mais de 30 inseridas em projectos de reinserção social e a frequentar cursos de formação.

Apesar destes resultados, o sentimento entre a população local continua a ser de insegurança e insatisfação.

Cerca de 120 moradores e comerciantes da freguesia de Santa Justa enviaram um abaixo-assinado à Câmara de Lisboa, PSP e Governo Civil exigindo mais policiamento, o reforço do combate à imigração ilegal e tráfico de droga e limpeza diária das ruas.

"A situação no Chafariz do Desterro está a tornar-se insustentável. A limpeza e posterior retirada das camionetas do Largo do Intendente trouxe para fora tudo o que de mau lá havia. São dezenas de toxicodependentes, prostitutas e ladrões que passaram a frequentar a zona do Chafariz e ruas envolventes", afirmam.

Para o presidente da Junta de Freguesia de Santa Justa, Ramiro Nelson (PCP), trata-se de um "problema de saúde pública e social, que não se resolve com a distribuição de preservativos e seringas ou com polícia e mais polícia".

Também no Socorro, que abrange uma parte da Rua do Benformoso, junto ao Largo do Intendente, as queixas são as mesmas.

"Os donos dos estabelecimentos querem fechar as portas, porque as pessoas têm medo de passar ali, mesmo de carro", disse à Lusa o presidente da Junta de Freguesia do Socorro, José Levita (PS), que acredita que o projecto da Câmara de Lisboa "não trouxe melhorias".

Um morador contactado pela Lusa admitiu que actualmente tem "medo" de passar no Intendente e considera que o problema "está cada vez pior" e só se resolve "com policiamento constante".

Luís Teixeira, morador na Rua Damasceno Monteiro, queixa-se também dos assaltos às lojas, aos carros e às pessoas, muitas vezes envolvendo agressões.

Para uma farmacêutica da Avenida Almirante Reis, a limpeza do Largo do Intendente foi positiva, "mas os toxicodependentes espalharam- se pelas outras ruas e a Rua do Benformoso, que antes era sossegada".

Já o proprietário de um estabelecimento na Rua Andrade contactado pela Lusa afirmou que a zona está "mais sossegada" devido ao aumento do policiamento, mas criticou a ocupação, por toxicodependentes, de casas devolutas e disse recear um incêndio.

Para o presidente da Junta de Freguesia dos Anjos, Cal Gonçalves (PSD), o trabalho até agora realizado é "positivo", apesar de permanecerem nas ruas cerca de 30 toxicodependentes, mais resistentes aos programas de recuperação.

"Há melhorias significativas, mas nunca estamos satisfeitos. É um trabalho que leva algum tempo e não é num ano ou ano e meio que se pode ter a pretensão de solucionar o problema", considerou.

O facto de ali terem sido instalados gabinetes de apoio e infra-estruturas para satisfação das necessidades básicas tornou aquela zona "uma esponja", atractiva para outros toxicodependentes, que chegam a vir de concelhos limítrofes.

O autarca social-democrata defende uma alteração à legislação sobre consumo de drogas e prostituição na via pública, uma questão para a qual pretende sensibilizar o Governo, numa petição que pretende enviar à Assembleia da República, depois das eleições.

Cal Gonçalves defende ainda a criação de "salas de acolhimento, onde numa primeira fase os toxicodependentes tenham um espaço de consumo estabilizado e garantido, como um primeiro passo para a entrada num programa de recuperação".

Também a CDU de Lisboa, numa visita ao local realizada esta semana, reafirmou a necessidade de criação de gabinete multidisciplinar de intervenção, uma medida que vai defender novamente na Assembleia da República.

O projecto municipal inclui ainda a reabilitação urbana e, segundo o autarca, encontram-se actualmente em requalificação 40 edifícios, estando quatro já com obras concluídas.

Quanto à insegurança, Cal Gonçalves considerou que a futura instalação da primeira divisão da PSP no Palácio da Folgosa, espaço cedido pela autarquia junto ao Martim Moniz, irá "reforçar a segurança" da zona.

Face ao aumento de toxicodependentes e traficantes no Intendente e consequente "degradação da qualidade de vida do bairro", a PSP intensificou o patrulhamento deste local, com o objectivo de contrariar "o sentimento de insegurança", explicou o comando metropolitano, em comunicado enviado à Agência Lusa.

Desta operação resultou, em 2004, um total de 285 pessoas detidas, metade das quais por tráfico de droga e 69 por estarem ilegais no país, e a apreensão de 8.571 doses de cocaína, 2.612 doses de heroína e 786 doses de haxixe.

Para os moradores, o dia-a-dia no bairro é difícil, mas há quem não esqueça a tranquilidade de outros tempos.

"Antigamente, era uma maravilha. Até tínhamos gosto em dizer onde morávamos, mas agora temos vergonha", lamentou uma senhora, residente no Intendente há 42 anos.

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