Portugal desperdiça potencial terapêutico das plantas medicinais

As propriedades curativas das plantas medicinais portuguesas estão a ser desperdiçadas, afirmaram especialistas em botânica e saúde que defendem o reforço da investigação sobre estes temas.

Agência LUSA /

A utilidade, importância socio-económica e valor de conservação das plantas aromáticas e medicinais vai estar hoje em destaque, em Beja, num seminário que visa promover a troca de experiências e conhecimentos científicos sobre o assunto.

"Não há muitos estudos sobre este assunto", reconheceu Elsa Teixeira Lopes, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, que vai apresentar um painel sobre as propriedades farmacológicas da flora portuguesa.

A investigadora estuda espécies da flora endémicas (que pertencem a uma determinada região) e usadas na medicina tradicional, comparando-as com compostos vegetais já usados em medicamentos comercializados pela indústria farmacêutica.

"Por exemplo, comparámos uma espécie de dedaleira ibérica com uma outra espécie de dedaleira já usada em medicamentos para tratamento da insuficiência cardíaca e descobrimos que a ibérica tem maior diversidade de constituintes, ou seja, que seria ainda mais útil para esta terapêutica", exemplificou.

Outro caso é o dos gamões, também conhecidos como abróteas.

Esta planta, usada pelo povo para o tratamento de doenças de pele, como micoses ou herpes labial, tem realmente propriedades terapêuticas.

"Temos dados que demonstram que os extractos desta planta têm actividade sobre o vírus do herpes", adiantou a mesma responsável.

Elsa Teixeira Lopes considera que o avanço neste trabalho científico teria vantagens importantes.

"Poderíamos, por exemplo, usar os nossos próprios extractos nos medicamentos", disse.

Mas a indústria farmacêutica nacional não parece, para já, muito interessada.

"Não se financia muito este tipo de investigação", salientou a especialista, que reconhece que esta "é uma área onde o registo de produtos não é muito fácil".

Isto porque "é difícil registar patentes de produtos naturais.

Ou seja, as empresas investem no desenvolvimento dos medicamentos, mas depois não conseguem registar a patente porque já é um conhecimento do domínio público", precisou Elsa Teixeira Lopes, salientando, no entanto, que "é preciso dar a conhecer as potencialidades" das nossas plantas.

O mesmo defende Luís Carvalho, do Museu Botânico da Escola Superior Agrária de Beja, um dos responsáveis pela organização deste seminário, que "considerou que existem várias plantas medicinais portuguesas cujo potencial farmacológico não está devidamente explorado".

No encontro de Beja vai ser também apresentado o trabalho do Banco Português de Germoplasma Vegetal, um projecto que visa preservar a diversidade genética das plantas.

"Actualmente, há tendência para a uniformização de variedades dentro de uma mesma espécie de plantas porque as pessoas vão deixando de cultivar determinadas espécies", explicou o responsável do Museu Botânico.

A perda de diversidade conduz também à perda de determinadas características.

"Os investigadores vão às aldeias à procura das variedades locais que apresentam muitas vezes características úteis, como resistência à falta de água ou ao ataque de fungos", disse Luís Carvalho, para justificar a importância dos bancos de sementes.

Um modelo semelhante foi seguido pelo Millenium Seed Bank Project, um banco de referência cujo objectivo é preservar, até 2010, dez por cento das espécies de plantas que se conhecem e que vai ser também apresentado em Beja.

Mas nem todas as plantas são eleitas.

"Para este banco mundial, só são seleccionadas plantas que tenham interesse para a humanidade e que estejam em locais sujeitos a risco de desertificação ou erosão", sublinhou Luís Carvalho.

A etnobotânica assume um preponderante papel na conservação deste património já que as informações sobre os usos tradicionais das plantas são recolhidas no trabalho de campo.

Elsa Teixeira Lopes referiu que o conhecimento sobre os usos medicinais das plantas está ainda muito presente das zonas rurais, sobretudo entre as mulheres, mas tem perdido terreno nas cidades.

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