Portugal inaugura Consulado na cidade mais capitalista da China comunista

Xangai, o coração financeiro e comercial da China, onde Portugal vai hoje abrir uma representação diplomática, foi a metrópole que viu nascer os ideais comunistas e também a que primeiro os afastou.

Agência LUSA /

O retorno do capitalismo e da economia de mercado a Xangai levou Portugal a abrir o consulado, que conta também com uma delegação do ICEP, para que o país tenha conhecimento do mercado no terreno e para apoiar a internacionalização das empresas portuguesas.

António Braga, secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, responsável pela política consular portuguesa, disse que a representação portuguesa em Xangai "é a primeira experiência de abertura de um consulado com uma intervenção claramente vocacionada para o negócio e para a área económica".

Uma volta pelas principais ruas do centro da cidade, onde vivem cerca de 13 milhões de habitantes, mostra que, entre marcas de roupa como a Zara e joalharias internacionais como a Cartier e a Tiffany`s, o negócio e o comércio estão bem e recomenda-se.

O mesmo não se pode dizer dos ideais comunistas que, a partir de Xangai, debaixo da liderança de Mao Zedong, se espalharam por todo o país até à fundação em 1949 da "Nova China", a República Popular, governada desde então pelo Partido Comunista Chinês (PCC).

Por ironia, é no exacto local onde nasceu o partido que é mais visível o triunfo do capitalismo. Em Julho de 1921 nascia o PCC, no primeiro congresso nacional do partido, no número 374 de Huangping Nanlu. Um endereço que hoje não podia ser mais selecto, no bairro de Xitiandi, um dos mais elegantes da cidade, onde se concentram os bares restaurantes e lojas de design mais na moda na cidade chinesa.

O nascimento do comunismo em 1920 e a volta do capitalismo nos anos 2000 são parte do mesmo todo, que Isabel Wong, da Universidade de Illinois, chama "o cosmopolitismo de Xangai que ajudou a construir a modernidade chinesa." A vizinhança da casa-museu do primeiro congresso do PCC faria revoltar os primeiros comunistas chineses. Ao lado, as joalharias Chopard e Baker, que, diz a empregada, "só atende clientes com marcação prévia". Nas traseiras, a esplanada de uma multinacional americana de café, onde os residentes de Xangai bebem expressos a ouvir música em IPods e a falar em telemóveis de último modelo. O museu está vazio, o café está cheio.

Um dos clientes do café é Arnold Huang, 31 anos, importador de chocolates. Na esplanada, com um capuccino à frente, diz que "Xangai é a melhor cidade da China. É onde há mais dinheiro, mais oportunidades, os ordenados são mais altos, o trânsito é melhor e os serviços de saúde e a qualidade de vida também".

Xangai teve em 2005 um dos mais elevados Produtos Internos Brutos da China, de 882,9 mil milhões de euros. E com a economia a crescer 11,1 por cento é natural que Arnold, que tem uma filha de dois anos, aprendeu inglês sozinho e visitou Portugal em 2002, goste tanto da cidade.

Quanto ao comunismo, diz que "as desigualdades sociais acontecem em qualquer parte do mundo". O seu objectivo futuro, adianta, é "ganhar mais dinheiro".

"Quero ter uma casa melhor, comprar um carro melhor e ter a certeza de que a minha filha tem acesso à melhor educação, para encontrar um bom emprego", afirma.

Mais que a revolução ou a luta de classes, o que parece preocupar hoje em dia os jovens de Xangai é algo que não pode ser mais capitalista - a compra de casa.

"Comprar casa é o mais importante. Quem se quer casar tem de ter casa, porque qualquer namorada liga a isso. E quem tiver carro, melhor ainda," diz Chen Wei Da, 37 anos, porteiro num prédio de escritórios, "Sem dinheiro, é difícil viver em Xangai, o ordenado de pessoas como eu é entre dois e três mil reminbi por mês, cerca de 33 mil reminbi por ano," diz adiantando que "as pessoas ricas, em Xangai, são mais felizes. Em Xangai há muitos ricos, mas também há muitos pobres." Mas a diferença de classes não faz Wei Da suspirar pela volta do comunismo. "Quem consegue ganhar dinheiro é rico e quem não consegue é pobre. É assim que deve ser," afirma com confiança.

Para o casamento, calcula Wei Da, é preciso ter pelo menos 89 mil euros (um milhão de reminbi) porque o preço das casas é muito alto. Uma preocupação que se reflecte no comportamento económico da população.

De acordo com Yi Wang, analista da consultora McKinsey, "só 30 por cento dos residentes de Xangai têm casa própria, e a cidade tem taxas de poupança acima dos 50 por cento, porque as pessoas estão a poupar para a compra de casa, que espoletará o consumo futuro." Empresas portuguesas como a Filstone, do ramo de rochas ornamentais, que se estabeleceu em Xangai em Abril passado, esperam beneficiar do mercado. Segundo Ricardo Filipe, o objectivo é aumentar até 2009 o volume de vendas para os nove milhões de euros, tirando partido da explosão imobiliária da cidade, guiada pela nova classe média, fruto do capitalismo.

Em frente da casa histórica do PCC fica também a sala de vendas do "Lakeville Regency," um dos mais caros condomínios do centro da cidade, onde o metro quadrado custa entre 3,9 mil e 8,1 mil euros (40 mil e 83 mil reminbi).

Tang Tze Ann, uma das agentes imobiliárias, nascida em Pequim, diz que emigrou para Xangai após a faculdade porque "a cidade é cheia de oportunidades, é um sítio fantástico para viver e trabalhar".

Tze Ann, 26 anos, admite que "vale a pena pensar nos ideais comunistas de igualdade, mas vai dizendo que "as pessoas têm diferentes experiências e aptidões e devem ganhar dinheiro de forma que reflicta essas diferenças".

E, de qualquer forma, Tze Ann define igualdade de uma forma que os primeiros comunistas chineses talvez não partilhassem. "Eu também quero ser igual", diz, acrescentando: "eu também quero ter uma das casas que vendo".

Em 1932, uma música chinesa de jazz glorificava Xangai como uma cidade com "casas com tapetes e confortos modernos, camas com molas, roupas da moda e grandes diamantes, alegria nos bares".

Hoje, diz-se que foi preciso mudar muito, para que quase tudo ficasse igual.

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