"Prós" e "Contras" dos berçários para bebés abandonados

por Agência LUSA

A criação de berçários nas maternidades e hospitais para bebés abandonados anonimamente pelas mães é indesejável para a salvaguarda dos interesses da criança e desresponsabiliza progenitores, segundo especialistas, mas é uma alternativa ao aborto, defendem famílias e Igreja.

Para Joana Marques Vidal, procuradora-geral adjunta, especialista na área da família e protecção de menores, a medida, ao facilitar o abandono, permitiria "descriminalizar" a conduta e tornar mais rápido o acolhimento e assistência ao recém-nascido.

"Mas não seria desejável. O hospital não é um local apropriado para as cri anças ficarem à espera de serem adoptadas. Ou, então, teriam que se criar centro s de acolhimento nos hospitais. Mas, nesse caso, não haveria vantagens em criar um esquema paralelo ao que já existe", frisou, em declarações à Agência Lusa.

Segundo a magistrada, a metodologia usada na Alemanha representaria um ret rocesso nas políticas de protecção de menores, uma vez que os "hospitais já se q ueixavam que os bebés ficavam muito tempo, um ou dois meses, à espera de uma dec isão do tribunal ou da comissão de menores" sobre a sua guarda.

Para Joana Marques Vidal, o importante, nos casos de rejeição de filhos, n egligência ou maus-tratos, seria "agilizar a fase de diagnóstico da situação da criança", para que esta ficasse o menos tempo possível numa instituição de acolh imento e fosse entregue a uma família adoptante ou à família de origem, caso est a reunisse as condições para a criar. Além disso, de acordo com a responsável, a "legalização" do abandono anóni mo teria outro inconveniente: poderia dificultar o conhecimento, mais tarde, da criança sobre o seu "património genético", enquanto "factor importante na preven ção de futuras doenças".

"Um adulto tem direito a conhecer os seus antecedentes", sublinhou, acresc entando que, mesmo que os pais biológicos invoquem o direito ao segredo da sua i dentidade na declaração de consentimento para adopção, ele pode vir a ser levant ado se o tribunal assim o entender.

Fátima Xarepe, coordenadora do Serviço Social da Maternidade Alfredo da Co sta, também é da opinião que os berçários poderiam gerar "questões legais em ter mos de protecção da criança, da sua identidade", embora permitissem "tranquiliza r mais" as mães e "talvez diminuíssem o risco das crianças virem a sofrer neglig ências, maus-tratos".

"As mães chegam ao hospital e sabem que a criança fica bem, não tinham que registá-la, pensar num nome, dar uma identidade, ir ao tribunal averiguar a pat ernidade da criança. É extremamente doloroso para uma mãe entregar um filho para adopção", sustentou.

Segundo o director do Centro de Direito da Família, Guilherme de Oliveira, a "roda moderna" implica que "uma mulher pode ter um filho e manter secreta a s ua identidade, ter um parto e não assumir o estatuto de mãe".

Tal circunstância colide, de acordo com o responsável pelo Observatório Pe rmanente da Adopção, com os direitos fundamentais dos filhos à sua identidade bi ológica, constitucionalmente consagrados, e com o direito da filiação, que prevê a averiguação oficiosa da maternidade e paternidade em caso de abandono e faz d epender a maternidade do parto.

Questionado, face à incompatibilidade legal, se seria desejável criarem-se nas maternidades e hospitais berços para recém-nascidos abandonados anonimament e pelas progenitoras, Guilherme de Oliveira responde que "talvez fosse menos dol oroso para uma jovem mãe abandonar um filho num sítio quentinho como o hospital, do que num contentor de lixo ou interromper a gravidez".

"Neste caso, temos que pensar se o mal menor é um infanticídio num caixote de lixo ou interromper a gravidez ou se é diminuir o sofrimento das jovens mães ", salientou.

Corroborando a opinião daquele responsável, o padre Vítor Feytor Pinto, co ordenador da Comissão Nacional da Pastoral da Saúde, considera que os berçários seriam uma forma de ajudar "mães completamente incapacitadas" e um meio de "cont rariar o aborto", mas desde que "não fosse mais uma instituição e a criança foss e rapidamente entregue para adopção".

Para o presidente da Associação das Famílias Numerosas, Fernando Castro, a criação de berçários para bebés abandonados anonimamente nas maternidades e hos pitais seria "muitíssimo mais humana" do que "a liberalização do aborto", pois " a mãe tem uma boa alternativa" à interrupção voluntária da gravidez, "sabe que a lguém irá tomar conta do filho".

Além disso, acrescenta, o método permitiria "poupar" a criança de futuros maus-tratos, negligência ou morte.

Rosa Areias, que dirige o Serviço Social da Maternidade Júlio Dinis, no Po rto, tem um entendimento diferente: "Não vai acabar com o abandono e os maus-tra tos, dado que isso tem a ver com o contexto familiar da criança".

Para o presidente do Instituto da Segurança Social, Edmundo Martinho, a in tervenção prioritária teria que passar pela prevenção de riscos, mediante acções de planeamento familiar e saúde sexual, vigilância precoce da gravidez e aceler ação dos processos de adopção.

Os berços para crianças abandonadas anonimamente seriam, em seu entender, "um mecanismo medieval absurdo, que iria facilitar a desresponsabilização dos pr ogenitores".

"O nosso caminho não pode ser o apoio à maternidade inconsciente, há que c orrigir os factores de risco e acautelar os interesses da criança", advogou.

Maria José Nogueira Pinto, ex-provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, refere, a este propósito, que "30 a 50 por cento dos casos de abandono" poderiam ser evitados se houvesse "mais apoios à família". Desde que foi fundada, há oito anos, a instituição "Ajuda de Berço" já aco lheu 160 bebés encaminhados pelos tribunais de menores, dos quais a maioria regr essou à família de origem, depois de ter reorganizado a sua vida.

Para a presidente da instituição, Sandra Anastácio, os números revelam que "é possível trabalhar as famílias, na maioria dos casos com sucesso".

"Há que continuar a apoiar as famílias com problemas sociais, isto é que é importante", frisou.

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