Quando as Finanças quebram o sigilo fiscal que protege os contribuintes

Na recente discussão sobre a existência de uma Lista VIP do fisco [Passos Coelho, Cavaco Silva, Paulo Portas e Paulo Núncio], foram vários os governantes que afiançaram a existência de uma igualdade de tratamento do universo dos contribuintes portugueses, desde logo em matéria de sigilo fiscal. No entanto, o online da RTP teve conhecimento de um caso em que foi o próprio Ministério Público a suscitar a quebra desta proteção no âmbito de um julgamento, solicitação rapidamente atendida pelas Finanças. Questionada sobre o assunto, a Autoridade Tributária deixou por explicar se houve exceção ou se este é um procedimento é normal.

RTP /
Pedro A. Pina

O processo em causa decorreu no 5.º Juízo Cível de Lisboa e referia-se a um caso em que uma das partes foi representada pelo Ministério Público, uma “acção pauliana” que levou a procuradora Denisa Marcelino a solicitar informação sobre o réu. Como nas "acções paulianas" o ónus da prova cabe aos réus, o Ministério Público tratou de provar que a doação não era dolosa, nem tinha a intenção de fugir ao pagamento da dívida, porque o devedor tinha outros bens.

A “impugnação pauliana” configura uma situação em que a lei permite aos credores atacarem judicialmente certos actos válidos celebrados pelos devedores, com vista à restituição do que está em dívida.

O caso dizia respeito a um empréstimo em que uma das partes se desfez dos seus bens - mediante doação aos netos - alegadamente para não ter de cumprir a obrigação de devolver o dinheiro.

A advogada da parte contrária procurou que fosse reconhecida essa alegada manobra e que os bens doados fossem considerados penhoráveis por conta da dívida.

Uma vez que os netos donatários eram menores e a ação não foi contestada, o Ministério Público assumiu a sua defesa. Nesse sentido, solicitou dados relativos ao avô - nomeadamente o facto de possuir outros bens - para provar que a doação não era dolosa nem tinha a intenção de fugir ao pagamento da dívida.

Nessa altura, o MP solicitou ao antigo 7.º Bairro Fiscal dados sobre a situação fiscal do devedor e também dados sobre a sua situação patrimonial, pedido que foi atendido, sendo possível saber-se então que era um dos herdeiros de uma herança em processo de partilhas. Do 7.º Bairro Fiscal, chegou a resposta:

- que não existiam bens imóveis em nome do réu;
- que não existiam viaturas automóveis em nome do réu;
- que consta como herdeiro de.... com indicação do NIF de uma herança, esclarecendo que existiam imóveis averbados em nome da referida herança, anexando prints com a identificação dos mesmos;
- envio da cópia da declaração do IRS referente aos rendimentos de 2013.


A Administração Tributária terá desta forma quebrado o segredo fiscal e revelado informações sobre as propriedades do devedor, dando a ideia de uma violação dos direitos do indivíduo em causa, apesar de neste caso ter jogado a seu favor.

Razões suficientes para procurarmos esclarecimentos sobre a situação, em particular perceber os fundamentos que foram apresentados à chefe do antigo 7.º Bairro Fiscal pelo Ministério Público e saber também se esta não é uma situação de exceção.

Depois de contactar Ludovina Figueiredo, chefe do serviço de Finanças 7, para esclarecer estas questões, a responsável escusou-se a qualquer resposta, explicando que apenas o pode fazer ao abrigo de uma autorização da Direção-Geral das Finanças.

Enviado o pedido de esclarecimento aos serviços centrais da Autoridade Tributária, o mail ficou no entanto sem resposta.

A diretora-geral da Autoridade Tributária, Helena Borges, e a chefe do serviço de Finanças 7 de Lisboa, Ludovina Figueiredo, deixaram por responder as questões seguintes:

1 - se se tratou aqui de uma excepção ou se é um procedimento normal as secções das Finanças/ Administração Tributária cederem dados sobre os contribuintes ao Ministério Público;

2 – se é normal o Ministério Público solicitar dados fiscais dos contribuintes;

3 – se há neste caso circunstâncias que levem a Administração a ceder dados sobre a situação fiscal de um cidadão;

4 – quais teriam sido então os fundamentos apresentados pelo Ministério público para que os dados fossem libertados;

5 – quais são os procedimentos seguidos num pedido deste género;

6 - se é o chefe da repartição que dá o OK para que sejam cedidos os dados.
Tópicos
PUB