Refer sela casas abandonadas há duas décadas, família de "ocupas" terá de procurar novo lar

Viana do Castelo, 05 Jan (Lusa) - Depois de sete anos a ocupar clandestinamente uma casa no antigo bairro da CP em Viana do Castelo, Daniel Parreira recebeu hoje a notícia que sempre temeu: vai ter que sair e tem até 21 deste mês para o fazer.

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"Hoje mesmo recebi um telefonema da assistente social da Câmara a informar-me que a Refer [actual proprietária do bairro] nos deu até ao dia 21 para desocupar a casa. Sabemos que isto não é nosso, que estamos aqui sem autorização de ninguém e que vamos ter que sair. Mas... para onde?", questionou, angustiado.

Daniel Parreira tem 42 anos e partilha aquele tecto com a mulher - "que não tem trabalho e é doente da cabeça" - e dois filhos, de 15 e 16 anos.

Tem ainda uma outra filha, que está a residir em Lisboa, de onde é natural.

Entrou naquela casa sem pedir licença, já lá vão sete anos, não pagando, obviamente, qualquer renda. Também não paga luz, que lhe é cedida por um vizinho, nem água, que retira de um "furo" do antigo bairro.

"Agora vou ter que ir por aí, ver se arranjo uma casa baratinha, porque os 500 ou 600 euros que ganho por mês não chegam para nada", lamenta-se Daniel Parreira.

Constituído por 12 casas, aquele bairro funcionou como lar dos trabalhadores da CP, mas há mais de duas décadas que quase todas as habitações estão abandonadas, tendo-se entretanto convertido em palco das mais variadas actividades marginais.

Em Abril de 2006, o caso foi levado à Assembleia Municipal de Viana do Castelo pelo líder da bancada socialista, José Carlos Resende, que fez aprovar uma moção apelando à Refer para acabar rapidamente com aquele "foco de insalubridade" na cidade.

Na moção, aprovada por esmagadora maioria, José Carlos Resende sublinhava que aquele bairro ocupa um terreno de 5000 metros quadrados e está situado "numa das melhores zonas da cidade".

Acrescenta que as casas são, "quase todas, local para acoitar marginais" e que os terrenos se transformaram em depósito de lixo.

"A Refer todos os anos anuncia prejuízos mas não constrói, não arrenda e não vende, tendo um comportamento feudal de quem mantém a quinta abandonada, longe dos olhos da capital e sem necessidade de prestar contas, porque os impostos tudo pagam", acrescentava a moção.

Nos últimos dias de Dezembro de 2007, a Refer decidiu selar as casas daquele bairro, tapando portas e janelas com tijolos e cimento, e limpar toda a área envolvente, que estava transformada num matagal.

Das 12 casas, só três não foram seladas - a ocupada pela família de Daniel Parreira, um outra onde ainda vive um funcionário da CP e uma terceira que desde há sete anos serve de sede à Associação dos Dadores de Sangue do Distrito de Viana do Castelo.

O presidente desta associação, José Passos, disse à Lusa que, para já, a Refer ainda não comunicou qualquer intenção de selar também a casa que lhe serve de sede.

"Estamos aqui a título gracioso, fruto de um protocolo celebrado com a Refer, e sabemos que quando a empresa quiser teremos que sair, mas não acreditamos que seja a curto prazo. Pelo que sabemos, esta intervenção tem apenas como objectivo imediato dar dignidade ao local, que de facto estava uma lástima e uma vergonha", explicou José Passos.

Disse que a própria associação a que preside já foi algumas vezes a chamar a PSP ao local, face a "rituais incomodativos" de toxicodependência e de alcoolismo.

A mulher do trabalhador da CP que vive na outra casa do bairro que ainda não foi selada escusou-se a qualquer declaração sobre o assunto.

A Lusa contactou a Refer, que remeteu para a próxima semana explicações sobre o projecto que terá para o referido bairro.

No entanto, e como se lê no site da Invesfer, subsidiária da Refer, aquele terreno destina-se a construção.

Num outro terreno que a Refer tinha em Viana do Castelo, na Avenida Conde da Carreira, que se encontrava abandonado desde os anos 50, está em fase final de construção um conjunto edificado composto por 14 habitações e quatro lojas comerciais.

VCP.


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