Réplica de navio Amistad uma semana no país para assinalar 200 anos fim da escravatura
Cidade da Praia, 02 Mar (Lusa) - Uma réplica do navio espanhol Amistad, ligado ao tráfico de escravos, está desde este fim-de-semana ancorada no porto da Praia, em Cabo Verde, onde a partir de hoje e durante uma semana pode ser visitada.
O navio, construído pelos Estados Unidos, está a fazer desde o ano passado uma digressão por vários portos ligados ao tráfico de escravos, denominada "A viagem da Liberdade no Atlântico" e destinada a assinalar os 200 anos da abolição da escravatura em Inglaterra (25 de Março de 1807) e nos Estados Unidos (02 de Março de 1807).
A chegada do navio à capital cabo-verdiana foi recebida com salvas de morteiros, música e danças, com o ministro da Cultura a representar o governo, que revelou que no próximo ano Cabo Verde vai organizar um grande simpósio internacional, com a presença de todos os países ligados ao tráfico de escravos e tendo como tema a cultura africana no mundo.
Com uma tripulação constituída por pessoas da Serra Leoa, Grã-Bretanha, Estados Unidos, Canadá e Bermudas e capitaneado por uma mulher, o Amistad tem também a bordo um descendente directo de Sengbe Pieh, que chefiou a revolta no navio que havia de ser documentada no cinema num filme de Steven Sipelberg com o mesmo nome.
John A. Kamara explicou à Lusa que a viagem do Amistad se destina a celebrar e a relembrar, em liberdade, os tempos da escravatura, sendo hoje a réplica do navio espanhol "uma escola de coragem e de amor".
No porão do navio, que acomodou em 1839 várias dezenas de escravos que haveriam de protagonizar a revolta, é hoje contada a história do navio, com desenhos do porão original e também do porão do Tecora, um navio negreiro português, bem como uma representação desenhada do assassinato do capitão espanhol do Amistad.
Em 1839, dezenas de negros foram capturados na África Ocidental e depois transportados pelo navio negreiro português Tecora para Havana, em Cuba, onde foram comprados por espanhóis e embarcados no Amistad.
Três dias depois, em alto mar, Sengbe Pieh chefiou uma revolta dos escravos e apoderou-se do navio. Mas como não tinha experiência de navegação teve de depender dos espanhóis, que andaram 63 dias às voltas, sem nunca rumarem a África, como era desejo dos 49 escravos que tinham sobrevivido à viagem e ao motim.
Forçados a ancorar por falta de alimentos, o navio foi capturado pela marinha dos Estados Unidos, onde a escravatura já era proibida e punida com pena de morte.
Em New London, Connecticut, os africanos foram detidos e acusados de motim e homicídio, tendo sido defendidos em tribunal por John Quincy Adams, que fora Presidente dos Estados Unidos até dez anos antes.
Só em 1841 o Supremo Tribunal dos Estados Unidos decidiu pela libertação dos escravos e os 35 africanos sobreviventes foram reconduzidos a África.
O Amistad já esteve em Outubro passado em Lisboa e está esta semana em Cabo Verde, que foi um importante posto negreiro e por onde o Tecora terá passado antes de se dirigir a Cuba.
O historiador Carles Akibodé disse hoje à Lusa que há indicações de que o próprio Amistad, navio mercante, também tenha estado em Cabo Verde.
O navio partiu do Canadá em Junho do ano passado, passou por Inglaterra, Lisboa, Serra Leoa e Senegal, tendo chegado este fim-de-semana a Cabo Verde.
Dentro de uma semana, a 09 de Março, seguirá viagem para as ilhas Barbados.