"Sair do clima de crise e cicatrizar feridas de anos de sacrifícios"

Ser Presidente de "todos sem exceção", sair da crise e superar desafios, prometendo uma solidariedade institucional "indefetível" para com o Parlamento e indo mais longe na qualidade da educação, saúde, justiça e sistema político. Os compromissos são de Marcelo Rebelo de Sousa. Foram enunciados no primeiro discurso como Presidente da República, cargo que assumiu esta quarta-feira. Citando Miguel Torga, o sucessor de Cavaco Silva considerou ainda que os portugueses minimizam aquilo que valem.

Sandra Salvado - RTP /
Marcelo Rebelo de Sousa jura cumprir e fazer cumprir a Constituição, com a mão direita sobre um exemplar original de 1976 Fotografia: António Cotrim - Lusa

Amor, saudade, doçura, comunhão, generosidade, crença e heroísmo nos instantes decisivos foram as palavras que o novo Chefe de Estado escolheu para se dirigir, em primeiro lugar, aos portugueses, salientando que “é para Portugal, para cada portuguesa e para cada português" que vai o seu "primeiro e decisivo pensamento”.

“Portugal é a razão de ser do compromisso solene que acabo de assumir (…) Aqui se criaram e sempre viverão comigo aqueles sentimentos que não sabemos definir, mas que nos ligam a todos os portugueses. Amor à terra, saudade, doçura no falar, comunhão no vibrar, generosidade na inclusão, crença em milagres de Ourique, heroísmo nos instantes decisivos", disse Marcelo Rebelo de Sousa.

No início da cerimónia em que tomou posse como Presidente da República, Marcelo dirigiu-se ao presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, para garantir a "solidariedade institucional indefetível entre os dois únicos órgãos de soberania fundados no voto universal e direto de todo o povo que somos”.

Rebelo de Sousa dirigiu-se ainda aos seus antecessores na Presidência da República, começando por lembrar "a longa e singular carreira de serviço à pátria" de Cavaco Silva, que esta quarta-feira terminou o mandato como Chefe de Estado.

"Com uma década na chefia do Governo e uma década na chefia do Estado, que, largamente, definiram o Portugal que temos - entendo ser estrito dever de justiça - independentemente dos juízos que toda a vivência política suscita - dirigir a vossa excelência uma palavra de gratidão pelo empenho que sempre colocou na defesa do interesse nacional - da ótica que se lhe afigurava correta, é certo - mas sacrificando vida pessoal, académica e profissional em indesmentível dedicação ao bem comum. Bem haja!”.
"Ilustres convidados estrangeiros"
O Presidente da República enalteceu a presença de Ramalho Eanes e Jorge Sampaio na cerimónia, como "símbolo da continuidade e da riqueza" da democracia do país, “na qual também se insere o doutor Mário Soares”, ausente da sessão solene.

Marcelo mostrou alegria com a presença de três "ilustres convidados estrangeiros", nomeadamente o Rei de Espanha, Filipe VI, o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.

O Presidente da República quer agora ir mais longe na qualidade da educação, da saúde, da justiça e do sistema político.

“O Presidente da República será, pois, um guardião permanente e escrupuloso da Constituição e dos seus valores (…) De pessoas de carne e osso. Que têm direito a serem livres, mas que têm igual direito a uma sociedade em que não haja, de modo dramaticamente persistente, dois milhões de pobres, mais de meio milhão em risco de pobreza, e ainda chocantes diferenças entre grupos, regiões e classes sociais”.

Marcelo reconheceu que Portugal tem por diante desafios complexos. "É no quadro desta Constituição - que, como toda a obra humana, não é intocável, mas que exige para reponderação consensos alargados, que unam em vez de dividir - que temos pela frente tempos e desafios difíceis a superar", afirmou o Presidente da República.

Marcelo lançou também alguns reptos que reconheceu serem "difíceis, complexos e envoltos em incógnitas". No entanto, o Presidente da República defendeu a necessidade de sair do clima de crise e ir "mais longe, com realismo mas visão de futuro".

“Temos de ir mais longe, com realismo mas visão de futuro, na capacidade e na qualidade da nossa educação e ciência, mas também da saúde, da Segurança Social, da justiça e da Administração Pública e do próprio sistema político e sua moralização e credibilização constantes, nomeadamente pelo combate à corrupção, ao clientelismo, ao nepotismo”, disse o Chefe de Estado na Assembleia da República.

Marcelo disse que é preciso não deixar morrer a esperança e persistir quando a tentação for desistir.

"Nunca perdendo a fé em Portugal e na nossa secular capacidade para vencer as crises. Nunca descrendo da democracia. Nunca deixando morrer a esperança. Nunca esquecendo que o que nos une é muito mais importante e duradouro do que aquilo que nos divide. Persistindo quando a tentação seja desistir. Convertendo incompreensões em ânimo redobrado. Preferindo os pequenos gestos que aproximam às grandes proclamações que afastam. Com honestidade. Com paciência. Com perseverança. Com temperança. Com coragem. Com humildade", referiu o Presidente.
“O Presidente de todos”
Marcelo Rebelo de Sousa prometeu ser o Presidente de "todos sem exceção", do princípio ao fim do mandato, “sem querer ser mais do que a Constituição permite ou sem aceitar ser menos do que a Constituição impõe”.

“Um Presidente que não é nem a favor nem contra ninguém. Assim será politicamente, do princípio ao fim do seu mandato”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, no dia em que tomou posse.

Rebelo de Sousa acrescentou que será socialmente a favor “do jovem que quer exercitar as suas qualificações e procura emprego, da mulher que espera ver mais reconhecido o seu papel num mundo ainda tão desigual, do pensionista ou reformado que sonhou com um 25 de Abril que não corresponde ao seu atual horizonte de vida, do cientista à procura de incentivos sempre adiados ou do agricultor, comerciante e industrial, que, dia a dia, sobrevive ao mundo de obstáculos que o rodeiam”.
"Não somos um povo morto"
O 20.º Presidente da República terminou a sua intervenção citando Miguel Torga: "O difícil para cada português não é sê-lo; é compreender-se. Nunca soubemos olhar-nos a frio no espelho da vida. A paixão tolda-nos a vista. Daí a espécie de obscura inocência com que atuamos na História".

"Temos ainda um grande papel a desempenhar no seio das nações, como a mais ecuménica de todas. O mundo não precisa hoje da nossa insuficiente técnica, nem da nossa precária indústria, nem das nossas escassas matérias-primas. Necessita da nossa cultura e da nossa vocação para o abraçar cordialmente, como se ele fosse o património natural de todos os homens".

A concluir o primeiro discurso presidencial, Marcelo estimaria que os portugueses minimizam aquilo que valem: "Valemos muito mais do que pensamos ou dizemos. O essencial, é que o nosso génio - o que nos distingue dos demais - é a indomável inquietação criadora que preside à nossa vocação ecuménica. Abraçando o mundo todo".
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