Seguro morre de velho nas escolas de pescadores
Agora, como antes do naufrágio do "Luz do Sameiro" nas praias da Nazaré, a máxima "o seguro morreu de velho" está sempre presente nos centros Forpescas, onde uma em cada três horas de formação para pescadores é dedicada à segurança.
"Os nossos cursos de iniciação, imprescindíveis para a obtenção da cédula profissional de pescador, têm 230 horas, 80 das quais são dedicadas a aspectos directamente relacionados com a segurança da actividade", disse à agência Lusa a directora do Forpescas/Norte, Olga Vide.
"Mais vale um homem em segurança do que mil redes cheias", também salienta o formador José Fangueiro, 61 anos, ele próprio antigo pescador.
O Forpescas tem oito centros operacionais de formação, ao longo de toda costa continental, de Viana do Castelo a Olhão, passando por Caxinas (Vila do Conde), onde reside a maior comunidade piscatória portuguesa - com três a quatro mil pessoas - e terra natal de seis dos sete pescadores naufragados [três resgatados mortos e três desaparecidos] há uma semana numa praia da Nazaré.
Deste centro, saíram, no último ano, 45 pessoas com a cédula de pescador, mas, para isso, tiveram que aprender muito de marinharia, nomeadamente técnicas de bem lidar com equipamentos náuticos e tudo o que é preciso para evitar que o erro humano provoque tragédias no mar.
"Pretende-se que os formandos fiquem aptos a reconhecer os diferentes riscos que podem ocorrer em situações de emergência, bem como interpretar planos de segurança e identificar e operar com os diversos equipamentos", resumiu Olga Vide.
A formação em segurança é feita não só na vertente teórica, mas também na prática, disse a responsável pelo Forpescas/Norte, explicando que os formandos exercitam o uso de bóias de salvação, coletes salva-vidas ou jangadas pneumáticas.
Os formandos chegam mesmo a simular manobras de recolha de náufragos.
Também ninguém sai do Forpescas sem saber nadar e mesmo usar material pirotécnico, imprescindível, em algumas situações de risco.
"Dicas" sobre como agir em caso de acidentes marítimos e acidentes de trabalho no mar ou os procedimentos a adoptar em caso de ser necessário abandonar a embarcação são igualmente fornecidos nos centros Forpescas.
O curso de iniciação ao pescador pode ser frequentado por maiores de 15 anos, com escolaridade mínima, mas Olga Vide disse que nas Caxinas há também muitos adultos que o frequentam.
Neste caso, a formação é feita em horário pós-laboral.
Os mais jovens têm ainda a possibilidade de seguir uma formação mais detalhada, ao longo de dois anos, nos cursos de tecnologia de pesca prática, que permite obter, em paralelo, uma certificação do nono ano de escolaridade.
Nas Caxinas, este é um curso muito procurado por jovens que, apesar da propalada crise nas pescas, não admitem sequer seguir outra profissão.
É o caso de André Sousa, 15 anos, filho e neto de pescadores, que encara a futura profissão "como se fosse um passatempo", já que gosta "muito" daquilo que sempre viu fazer à sua volta: lidar com barcos, pescado e redes.
"Como gosto muito disto, esqueço os perigos que posso vir a correr", afirma o candidato a pescador.
Outros objectivos tem o seu colega de curso Francisco Nobre, também de 15 anos.
A sua meta é ter formação suficiente para seguir os passos do pai, que trocou a pescaria por um emprego a bordo de um navio de cruzeiros.
"Como o Titanic, mas sem o naufrágio", porque os tempos são outros e a segurança destas autênticas cidades sobre ondas é hoje infinitamente superior, considera.
O pior será mesmo as saudades da família que há-de constituir, as mesmas saudades que sente do pai, que só muito esporadicamente vê.