Sindicato do MP questiona mudanças na lei com base em casos isolados

O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público questionou hoje a necessidade de alterações à lei tendo por base casos isolados e acusou partidos e políticos em campanha de tentarem criar entraves ao que ainda funciona na Justiça.

Lusa /

No discurso de abertura do XIII Congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), Adão Carvalho, defendeu que "autonomia e responsabilidade são a pedra de toque de um Ministério Público (MP) moderno, independente, isento de ingerências políticas, próprio de um verdadeiro Estado de direito democrático".

Aludindo aos processos mais mediáticos, de crimes de `colarinho branco` que envolvem "figuras com relevância e visibilidade públicas" e que alimentam o "apetite voraz dos media", Adão Carvalho referiu que "a acompanhar todo este espetáculo" estão comentadores televisivos residentes, "que se acham habilitados a comentar tudo e mais alguma coisa", e arguidos e advogados com grande capacidade económica e "tempo de antena em horário nobre para, sem qualquer contraditório, arrasarem o trabalho do MP".

Recordando o processo que investiga suspeitas de corrupção na Madeira, e que levou à queda do Governo regional, o presidente do SMMP sublinhou que este foi o único processo em que um interrogatório judicial se prolongou por 21 dias.

"Noventa e nove por cento dos interrogatórios restringem-se às 48 horas ou pouco mais do que isso e os que justificadamente excedem esse prazo não vão para além de três, quatro dias. Então qual a necessidade de alterar a lei com base num único caso? Para ficar pior? As experimentações legislativas do passado tomadas no mesmo tipo de conjuntura demonstram isso mesmo", disse Adão Carvalho, recordando exemplos recentes como a norma de impedimento dos juízes ou as regras de distribuição eletrónica de processos.

O dirigente sindical do MP criticou "quem tem responsabilidades governativas" de não resolver "os verdadeiros problemas da justiça, que são muitos".

"A ideia que fica é que não querem resolver os problemas da justiça, querem é criar entraves àquilo que ainda vai funcionando. Não apresentam uma política para a justiça, mas uma política para a não justiça", afirmou.

Adão Carvalho começou por referir a falta de funcionários judiciais, afirmando que o MP se arrisca "a ter serviços paralisados", e acrescentou a falta de meios, humanos e técnicos, de suporte à investigação criminal e competências para trabalhar temas como ambiente, urbanismo ou defesa dos consumidores.

"A sobrevivência do Estado de direito exige um MP independente, com magistrados autónomos e responsáveis. A independência exige uma maior autonomia financeira do MP e o investimento em recursos e meios. Mudar as leis não basta", disse.

A abrir a sua intervenção, Adão Carvalho dirigiu-se à Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, presente no congresso, e que discursou na abertura, considerando a presença da chefe do MP "um sinal de proximidade" e que "quer com a sua presença reconhecer o esforço e a dedicação empreendidos na construção de uma magistratura com qualidade e já com provas dadas".

A procuradora-geral da República (PGR) afirmou hoje que, "não obstante as investidas e os ataques", cabe ao MP zelar pelo cumprimento da lei e estar imune "a quaisquer pressões ou ingerências, diretas ou indiretas".

Durante três dias, o Congresso do SMMP dedicado ao tema "Ministério Público em Evolução: Atualidade, Proximidade, Iniciativa" vai discutir as condições de trabalho, apresentando um estudo sobre `burnout` entre magistrados, a proximidade dos cidadãos e o acesso à justiça, e o uso da inteligência artificial.

No último dia, o evento acolhe o 1.º Congresso da União Internacional de Procuradores e Promotores do Ministério Público dos Países de Língua Portuguesa, que vai debater a independência e o estatuto socioprofissional dos magistrados do MP.

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