Tabernas contam-se pelos dedos mas continuam "locais de culto"

por Agência LUSA

Locais "de eleição" para beber uma malguinha de vinho, comer uma patanisca ou, apenas, matar o tempo, as tabernas continuam a "resistir" na cidade de Viana do Castelo, apesar de hoje já se poderem contar pelos dedos.

Otília Pereira, 81 anos, é a proprietária da mais antiga taberna do Centro Histórico de Viana do Castelo, estabelecimento que dirige há já quase seis décadas e que, garante, manterá de portas abertas "até deixar de ter forças".

"Isto é a minha vida", diz D. Otília, uma mulher afável e carinhosa, que trata os clientes como se fossem seus filhos ou netos e que, apesar da idade, aguenta-se "firme", todos os dias, até à meia- noite para atender quem procura a sua loja, cada vez mais a conta- gotas.

Uma placa em chapa anunciando "bons vinhos e comida", um ramo de loureiro pendurado na parede exterior e as portas baixas de guarda- vento não deixam margens para dúvidas: é uma taberna à antiga portuguesa, com certeza.

Lá ainda se pode provar um chouriço assado, umas pataniscas, bacalhau assado ou um "preguinho", tudo isto acompanhado de um bom "champarrião", [vinho verde tinto misturado com cerveja e açúcar], que é sempre a primeira sugestão "líquida" da dona da casa.

Com mais de 150 anos, aquele estabelecimento, situado na Rua do Vilarinho, começou por se chamar "Venda do Católico", mas a sua actual designação é "A Espanhola".

Nas paredes interiores, e além de muitas mensagens carinhosas escritas sobretudo por estudantes que durante anos a fio fizeram daquela tasquinha o "quartel-general" das semanas académicas, destaca- se um quadro com uns versos que impõem respeito: "Quem nesta casa entrar / Com a língua deve ter cautela / Pode entrar pela porta / E sair pela janela".

"Gosto que os clientes estejam à vontade e se sintam em casa, mas o respeitinho é muito bonito", refere a proprietária.

Em lugar de destaque figura igualmente uma mensagem que o anterior presidente da República, Jorge Sampaio, dirigiu a Otília Pereira, por ocasião do seu 80º aniversário, a 07 de Agosto de 2005.

Na missiva, Sampaio apresenta "as mais vivas felicitações" a D. Otília, pelo "sentido de solidariedade e grande determinação" com que ao longo dos anos ela vem gerindo os destinos da mais antiga tasquinha da cidade de Viana do Castelo.

Mas se "A Espanhola" é a taberna mais antiga da capital do Alto Minho, a mais carismática e a mais procurada é, de longe, a antiga Casa da Tuxa, que durante muitos anos foi gerida pelo popular "Tone Bento" e que, actualmente, está nas mãos de José Luís Soares.

"O segredo está no ambiente simples, no atendimento amigo e, claro, na qualidade dos petiscos, quase todos à base de peixe fresco saído da nossa Ribeira", refere José Soares.

Naquela taberna, situada na Rua Góis Pinto e entretanto baptizada de "Casa Primavera", joga-se à sueca, canta-se, contam-se anedotas e põe-se a conversa em dia, ao mesmo ritmo com que, da cozinha, vão saindo quentinhos petiscos, como fanecas, caldeiradas de peixe e sardinhas assadas ou fritas.

Os que tiveram uns trocos a mais na carteira podem ainda "regalar-se" com boas peças de marisco vivo, entre camarão, mancos, amêijoas, lavagante ou mesmo lagosta.

"Tanto vêm cá as pessoas mais simples da nossa Ribeira como doutores e engenheiros. Aqui, não há distinções, são todos tratados da mesma forma. E a prova de que gostam é que todos acabam por cá voltar, e trazem com eles um amigo, mais um, mais umÓ", diz, com orgulho, José Soares.

Muito diferente, para pior, é o "movimento" na taberna "A Regional", cujos clientes "são cada vez menos" mas que, mesmo assim, teima em manter-se de portas abertas, sobrevivendo actualmente quase só "à custa" da venda de "vinho a retalho".

"É um copito agora, uma canequinha depois, quase não passa disso. Longe a longe, lá aparece um cliente que pede uma costeleta panada, um bocado de congro, uns filetes de peixe. Mas é raro, muito raro mesmo", refere o proprietário.

Paulino Borlido, 78 anos, reconhece que o negócio na sua tasquinha "está fraco", porque "há cada vez menos dinheiro e cada vez mais onde o gastar".

Para "enganar"a crise, Paulino Borlido alargou a "oferta" da sua tasquinha, e agora, quem quiser, pode também lá comprar batatas, cebolas, couves e, até, coelhos, produtos cultivados e criados numa pequena leira que possui na freguesia de Areosa.

Na "Trincheira", outra tasquinha da cidade de Viana do Castelo, os sintomas da crise também se fazem sentir, o que levou o proprietário, Augusto Alves, a recuperar uma prática que já começa a fazer parte do imaginário colectivo: servir fiado.

"Que remédio. As pessoas não têm dinheiro e pedem-me para fiar até receberem as reformas ou o ordenado no final do mês. E eu fio, naturalmente, mas só àquelas que são de confiança, porque esta vida não está para graças", refere.

Augusto Alves gere a taberna há 22 anos e diz que, apesar de tudo, o negócio lhe vai dando para sobreviver, "mas mesmo à tabela".

"O que não dá, nem de perto nem de longe, é para pagar as dores de cabeça e as canseiras que tenho para manter o negócio de pé.

Se me dessem a reforma amanhã, era mesmo amanhã que deixava isto", atira, com convicção.

São perto das três horas da tarde e Augusto Alves "pede licença" para terminar a conversa, porque tinha finalmente chegado "a sua vez" para almoçar.

Dali a pouco, começarão a aparecer os cerca de 10 clientes que, diariamente, passam a tarde na "Trincheira" a jogar às cartas ou a ver jogar. Sempre acompanhados de umas malguinhas de vinho verde tinto.

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