Transfusões de sangue - Médico opta por tratamento a menores, mesmo contra pais
As crianças que necessitem de uma transfusão de sangue devem recebê-la mesmo que os pais se oponham a este tratamento por motivos religiosos, nem que para tal seja necessária a intervenção do Tribunal de Menores, segundo um parecer.
A recomendação consta do parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) sobre "Objecção ao uso de sangue e derivados para fins terapêuticos por motivos religiosos", hoje apresentado, e que aborda a questão dos menores de idade.
Enquanto no caso dos adultos maiores de idade o CNECV recomenda que o médico respeite a sua recusa em receber sangue e seus derivados quando o receptor seja Testemunha de Jeová, desde que este o manifeste de "um modo expresso e livre", no caso dos menores os médicos têm de decidir por eles.
Perante a recusa dos pais e, "sendo a transfusão inadiável, justificar-se-á o recurso ao Tribunal de Menores que é sempre competente para decretar as medidas que se imponham em matéria relativa à saúde" dos menores de idade.
Havendo urgência, "é aplicável aqui, mais uma vez, o princípio da beneficência, pelo qual o médico utilizará os recursos que disponha para salvar a vida do doente", lê-se no parecer do CNECV.
A recomendação do Conselho corrobora a prática actual nos serviços de saúde portugueses, quando os clínicos são confrontados com a recusa dos pais que, alegando ser Testemunhas de Jeová, se recusam a autorizar transfusões de sangue para os filhos.
Maria do Céu Machado, pediatra e presidente da Comissão Nacional de Saúde da Criança e Adolescente, foi ouvida pelo CNECV antes da elaboração deste parecer e, em declarações à Lusa, adiantou que, hoje em dia, são cada vez menos as situações que se colocam a este nível.
"São situações raras", pois "há alternativas terapêuticas" às transfusões de sangue.
"Também, no que toca à realização de análises em prematuros, é hoje possível, através do micrométodo, fazer as mesmas análises em quantidades de sangue mais pequenas, pelo que não é necessário retirar tanto sangue aos prematuros e, consequentemente, transfusioná-los depois", disse.
Segundo Maria do Céu Machado, os casos de transfusão colocam- se essencialmente perante "casos de hemorragias graves, ao ponto de afectarem a estabilidade e as funções dos restantes órgãos do corpo, em situações de vida ou morte ou de risco de lesão cerebral".
"Nestes casos, quando os hospitais acham que há conflito entre o interesse da criança e o interesse dos pais, pedem uma suspensão temporal do exercício do poder parental, enquanto dura o tratamento".
Normalmente, o tribunal concede esta suspensão "rapidamente" e os pais "não a contestam" porque "o tribunal decide no melhor interesse da criança", frisou Maria do Céu Machado.