Tribunal Marinha Grande julga acusações de poluição por vidreira

Uma empresa vidreira da Marinha Grande está a ser objecto de uma acção judicial movida por moradores vizinhos que atribuem aos gases expelidos pela fábrica danos em viaturas e janelas no centro da cidade.

Agência LUSA /

Um grupo de dez pessoas, entre os quais moradores, um juiz jubilado, um advogado e representantes de duas empresas, acusam a empresa Ricardo Gallo de emissões de chumbo e enxofre, entre outros metais pesados.

O julgamento da acção civil começou quarta-feira e os autores do processo reclamam indemnizações de cerca de 55.000 euros por danos em 31 veículos e em janelas de alumínio, alegadamente causadas pela liquefacção dos metais pesados emitidos pelas chaminés da fábrica, localizada no centro da cidade.

Os casos relatados datam de 1997 e os autores do processo acusam a empresa de retirar as mangas de filtro das chaminés para expelir os gases para a atmosfera com "descargas de ar comprimido", nomeadamente em "dias de intenso nevoeiro", como forma de limpar os fornos.

Depois, esses elementos perigosos, como o óxido de enxofre ou o chumbo, regressam ao estado sólido em contacto com o ar - a temperatura ambiente, muito inferior às centenas de graus do interior do forno - e caem sobre as zonas vizinhas, corroendo viaturas e casas, acusam os autores.

Na sessão inicial da acção cível, a engenheira química Carla Morgado Costa confirmou os perigos para o ambiente que sucedem com a queima de fuel para produzir vidro, que por seu turno já contém chumbo.

"Se estão a queimar fuel, de certeza que estão a fazer emissões de óxido de enxofre", afirmou esta responsável, mostrando-se ainda preocupada com a possibilidade de existir chumbo adicional proveniente de caricas que fazem parte da massa de vidro comprada pela Ricardo Gallo e que provém de vidrões.

Por seu turno, Teófilo Santos, advogado da empresa vidreira, sustentou, ao longo da sessão, que existem outras unidades fabris poluidoras na cidade, pelo que não é possível relacionar directamente os danos nos automóveis com os gases expelidos pela Ricardo Gallo.

"Há uma centena de fábricas com chaminés", disse o causídico durante a sessão do julgamento.

No entanto, para Emília Quesada, uma das testemunhas ouvidas pelo tribunal, a poluição partiu da fábrica, já que existem relatos de moradores da zona sobre casos em que a roupa estendida nas varandas aparecia horas depois com buracos causados por enxofre.

Opinião semelhante tem Francisco Sampaio, pintor e mecânico automóvel que reparou grande parte dos veículos envolvidos, considerando que os danos na pintura, plásticos e vidros foram causados "por uma descarga de poluição atmosférica" e a "única fábrica grande da zona é a Ricardo Gallo".

Na sua opinião, "há um agente poluidor que tem de ser castigado", considerando que a empresa é a mais provável responsável por essas emissões.

Esta acção cível começou a ser julgada depois de o Tribunal de Leiria ter ordenado o arquivamento de uma queixa-crime feita pelos moradores, onde reconheceu os prejuízos ambientais da empresa Ricardo Gallo.

Na decisão de arquivamento, o Ministério Público admitiu que a fábrica "poluiu o ar e, simultaneamente, provocou os estragos indicados pelos assistentes", mas considerou que essa conduta não configura a prática de um crime de poluição, visto respeitar legislação anterior.

Ao longo deste processo, foram juntas certidões da Direcção Regional do Ambiente que confirma as coimas a que a empresa esteve sujeita e os danos ambientais causados durante o período em causa.

O documento, a que a Agência Lusa teve acesso, refere ainda que "em determinadas circunstâncias, pode ser concedida uma +tolerância+, isto é, pode ser autorizada a ultrapassagem dos valores limite de emissão" e neste caso poderia existir uma "justificação, quer política quer socialmente, pelo facto de estarmos perante uma unidade fabril de relevante dimensão".

Por outro lado, existe uma "diluição de responsabilidades" da poluição, o que dificultaria a condenação penal da empresa, acrescenta a decisão do Ministério Público.

A existência de unidades vidreiras de grande dimensão no centro da Marinha Grande tem sido uma das questões mais discutidas no concelho nos últimos anos, mas, apesar da ampliação da Zona Industrial, as principais fábricas permanecem junto às habitações.

Esta situação já foi denunciada, por diversas vezes, por associações ambientalistas, recordando que as fábricas que ainda se encontram no centro da cidade são as mais poluidoras, porque produzem vidro verde de garrafas, que integra vários metais pesados.

A próxima sessão do julgamento está agendada para o próximo dia 2 de Fevereiro, às 10:00.


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