Uma arte de risco para profissionais de orquestra em Lisboa
A surdez e as lesões nos músculos e ossos das mãos e braços foram alguns dos problemas de saúde que dois estudos inéditos em Portugal detectaram em músicos de uma grande orquestra de Lisboa devido à sua actividade profissional.
Na origem destes problemas está o manuseamento de instrumentos musicais, com maior prevalência nos músicos que tocam instrumentos de corda, nomeadamente violinos, violoncelos, contrabaixo e violas.
Natália Michtchenko da Fonseca é médica especialista em medicina do trabalho e autora do estudo sobre a "prevalência da hipoacúsia neurosensorial de origem sonotraumática num grupo de músicos profissionais", em co-autoria com o médico da mesma especialidade João Costa Ribeiro.
Em declarações à Lusa, Natália Michtchenko da Fonseca afirmou que o estudo visou determinar a prevalência da surdez profissional (hipoacúsia neurosensorial) de origem sonotraumática (por exposição a níveis de sons elevados) num grupo de músicos profissionais.
Estes músicos foram escolhidos por se tratar de "um grupo profissional com características específicas e de pessoas muito motivadas e dedicadas à sua actividade que começam a tocar música muito cedo, alguns a partir dos cinco anos de idade", disse.
Além disso, as doenças dos músicos não são muito estudadas em Portugal, ao contrário do que acontece em outros países, nomeadamente nos Estados Unidos, explicou.
Na orquestra estudada, 11,7 por cento dos músicos apresentaram queixas de zumbidos nos ouvidos, que poderão ser o primeiro sinal de uma lesão no ouvido interno.
Cerca de sete por cento dos músicos referiram "dificuldade no reconhecimento da fala", ou seja, não consegue entender o que outra pessoa lhe diz em ambiente com ruído de fundo.
A maior diminuição da audição foi verificada no ouvido esquerdo, devido à proximidade do instrumento (viola e violino) a este ouvido.
O principal meio de diagnóstico desta deficiência é a audiometria, que pode identificar a lesão inicial, a tempo de serem tomadas medidas preventivas.
Entre as medidas de prevenção consta a utilização de auriculares especiais para músicos, placas divisórias individuais de insonorização e uma diminuição do tempo de exposição aos sons.
Medidas que, contudo, têm de ser muito bem administradas, para "não interferirem com a capacidade de percepção do som", disse a especialista em medicina do trabalho.
De acordo com Natália Michtchenko da Fonseca, esta deficiência pode interferir com a actividade profissional, se atingir fases muito avançadas.
Alguns dos músicos avaliados já apresentavam queixas e alguns já usavam equipamentos de protecção.
Esta médica de trabalho avaliou ainda a prevalência de lesões musculo-esqueléticas nos membros superiores (zona das mãos, punhos, cotovelos e ombros) nestes músicos.
Conforme revelou à Lusa, estas lesões - nomeadamente tendinites e síndromes de compressão nervosa dos membros superiores (zona das mãos, punhos, cotovelos e ombros) - atingem quase metade dos músicos (40 por cento).
Os músicos mais afectados por estas lesões são os que tocam instrumentos de corda, como violinos, violoncelos, contrabaixo e viola.
Na origem destas lesões estão os movimentos repetitivos dos membros superiores, a posição dos braços exigida por cada tipo de instrumento e a aplicação de força para suportar o peso dos instrumentos musicais durante a execução das partituras.
Natália Michtchenko da Fonseca refere que uma intervenção nesta área passa pela adopção de medidas que podem ajudar a minimizar os danos, como a existência de períodos de aquecimento no inicio da actividade, períodos de descanso frequentes, evitar a repetição continua das partes musicais mais difíceis e manter a saúde e bem estar em todos os aspectos da vida diária, nomeadamente a alimentação saudável, actividade física regular e gestão de stress.
"A música é linda, mas é também uma profissão de risco", disse esta especialista em medicina do trabalho.