Vigilância a jornalistas. Direções de informação condenam atentado à democracia

por RTP
Os órgãos de comunicação manifestam-se contra os "factos graves que são atentatórios do Estado de Direito Democrático". Foto: Paulo Novais - Lusa

As direções de informação dos órgãos de comunicação social portugueses condenaram a vigilância a jornalistas por ordem do Ministério Público, o que consideram serem "factos graves" e que põem em causa o Estado de Direito Democrático. "Sem direito de sigilo das fontes, não há informação livre, e não havendo informação livre, não há democracia", alertam num comunicado conjunto. O texto vai ser enviado aos titulares dos órgãos de soberania, Procuradoria-Geral da República e tribunais superiores.

“Numa Sociedade Livre e num Estado de Direito Democrático, instituído há quase meio século, tornou-se agora público, graças à liberdade de informação da imprensa, que Jornalistas foram objeto de inquirições sobre as suas fontes de informação, vítimas de seguimentos policiais, vigilâncias, fotografias e filmagens por forças policiais, as suas mensagens telefónicas foram objeto de acesso intrusivo e transcritas para um processo criminal, e até a um dos visados o sigilo bancário lhe foi levantado”, menciona a tomada de posição conjunta dos OCS portugueses sobre a liberdade jornalística.

As direções de informação referem-se ao facto de o Ministério Público ter mandado vigiar jornalistas num processo de violação de segredo de justiça no caso “e-toupeira”, chegando mesmo a aceder à conta bancária de um dos profissionais.

Foi a procuradora Andrea Marques, do Departamento de Investigação e Ação penal de Lisboa, quem em 2018 instaurou um inquérito para apurar fugas de informação, pedindo inclusivamente a vigilância policial para dois jornalistas.

Agora, os órgãos de comunicação manifestam-se contra estes “factos graves que são atentatórios do Estado de Direito Democrático” baseado “na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes”.

As direções de informação sublinham que a vigilância aos jornalistas não passou sequer “pelo crivo de um Magistrado Judicial, no caso um Juiz de Instrução Criminal, a quem competiria, pelo menos segundo a lei, ser o juiz das garantias dos cidadãos objeto de tal investigação criminal”.

“Tudo isto um cenário que facilmente se imaginaria num Estado autocrático, mas que se diria impensável num Estado Europeu Ocidental, com a Constituição e a Lei que vigoram e com os pergaminhos na consagração e defesa dos Direitos Fundamentais como se afirma Portugal”, consideram. “É condição de um Estado de Direito Democrático e Livre, uma imprensa livre e independente. Tal como não é admissível, a nenhum título, a espionagem privada, também não pode ser admissível o MP investigar fora das regras constitucionais e legais vigentes, travestindo de lícito e admissível o que desde a raiz é ilícito e inadmissível", lê-se no documento.

Não só a Constituição portuguesa dita que a liberdade de imprensa passa, expressamente, pelo direito a manter sigilo absoluto sobre as fontes jornalísticas, como o Estatuto do Jornalista frisa que estes profissionais “não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, não sendo o seu silêncio passível de qualquer sanção, direta ou indireta”.

“Mas não só”, atenta o comunicado dos órgãos de comunicação. “As autoridades judiciárias perante as quais os jornalistas sejam chamados a depor devem informá-los previamente, sob pena de nulidade, sobre o conteúdo e a extensão do direito à não revelação das fontes de informação” - tudo isto apenas em sede de processo penal.

“Numa garantia extrema deste mesmo direito a manter sigilo absoluto sobre as fontes, estabelece a Lei que ‘no caso de ser ordenada a revelação das fontes nos termos da lei processual penal, o tribunal deve especificar o âmbito dos factos sobre os quais o jornalista está obrigado a prestar depoimento’, o que bem mostra que tem de ser um Juiz a ordenar a dita revelação de fontes, e não um qualquer Agente do MP”, esclarecem as direções de informação, para quem “sem direito de sigilo das fontes, não há informação livre, e não havendo informação livre, não há democracia”.
Evitar "um subtil ataque à liberdade de imprensa"
Perante todos estes factos, a intenção dos signatários desta posição conjunta “é lançar um alerta destinado a evitar que esteja em curso um subtil ataque à liberdade de imprensa, e, assim, um ataque ao Estado de Direito Democrático e ao regular funcionamento das instituições democráticas”.

“Podendo estar em causa, como parece estar, uma sucessão de situações de clara violação da liberdade de imprensa ou, pelo menos, de tentativa de condicionamento da mesma, sob a capa de se investigar a prática de quaisquer concretos alegados crimes, os defensores do Estado de Direito não podem calar”.

Apesar de considerarem “certo e desejável” que as forças policiais vigiem e evitem a prática de crimes nas ruas, os OCS defendem que “a utilização de meios agressivos de investigação criminal (usando a arma penal do Estado para seguir, fotografar, filmar, aceder a mensagens profissionais, quebrar o segredo bancário e tentar obter acesso ilegítimo a fontes dos jornalistas) não constitui uma vigilância social do espaço público”.

“Ao invés, são meios apenas admissíveis se e quando existam suspeitas reais e efetivas da prática de crimes graves, não podendo ser vistos como meios normais de ‘policiamento’ da sociedade, sob pena de se instalar um clima de medo generalizado por parte de todos os cidadãos, em especial dos responsáveis por informar a sociedade (como o são os jornalistas), o que culmina necessariamente no seu amedrontamento, coação ou mesmo instrumentalização”.

A procuradora-geral da República, Lucília Gago, anunciou na passada semana que iria averiguar se a atuação de magistradas do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa é passível de infração disciplinar no caso da vigilância a jornalistas pela PSP.

O texto divulgado esta quinta-feira pelos órgãos de comunicação foi assinado pelos diretores de informação do Negócios, RTP-TV, TVI, Record, TSF, GMG, Sábado, Jornal de Notícias, Antena 1, Expresso, Observador, Jogo, Lusa, Visão, Público, Nascer do Sol, Jornal i, Cofina Media, Rádio Renascença, SIC, Diário de Notícias e A Bola.
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