Vítimas do comunismo são iguais às do nazismo, diz Zita Seabra

Os comunistas portugueses "sempre souberam de tudo" o que se passava na antiga URSS, incluindo as atrocidades cometidas durante o estalinismo, acusa Zita Seabra no livro de memórias "Foi assim", lançado pela editora Aletheia.

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"Que ninguém diga que ignorava: os comunistas portugueses sempre souberam de tudo. Nunca o PCP disse uma palavra sobre as vítimas do comunismo, como se não existissem. O pior, porém, é dizermos a nós próprios, em nome da superioridade moral dos comunistas, que não queremos saber", escreve Zita Seabra, que foi expulsa do PCP em 1988, sendo actualmente deputada à Assembleia da República eleita pelo PSD.

Apresentado pela autora como "um livro de memórias", "Foi assim" é descrito pelo colunista e historiador Vasco Pulido Valente como o documento "que faltava para perceber a grande tragédia do comunismo português".

O livro relata a evolução política e pessoal de Zita Seabra, que aderiu ao PCP em 1965, tendo como pano de fundo o processo que levou à derrocada do regime soviético, com a autora a considerar que o comunismo "é dos maiores dramas do século XX", tendo estado na origem de "milhões de mortos".

"Zita Seabra é como a França para Tocqueville: pode ser, à vez, objecto de admiração, de ódio, de piedade e de terror, mas nunca de indiferença", resume o historiador Carlos Gaspar, num texto introdutório ao livro.

Zita Seabra conta que aderiu ao PCP "num gesto inevitável", empenhada como estava em combater "as injustiças sociais" e em fazer cair o regime "medíocre, obsoleto, repressivo e asfixiante" de António Salazar.

"Fiz-me comunista convicta de que ia encontrar camaradas, homens e mulheres, já configurando o homem novo, esse que nascia do comunismo", escreve a deputada, que relata com grande riqueza de pormenores os tempos da clandestinidade em que conheceu os principais dirigentes comunistas da época, com natural destaque para Álvaro Cunhal.

A ruptura com o líder histórico dos comunistas, ditada por divergências ideológicas sobre o rumo do comunismo, revelar-se-ia extremamente dolorosa, acabando Cunhal por acusá-la de "emburguesamento".

"Atacou-me (...) dizendo que eu tinha deixado vir ao de cima as minhas origens familiares, burguesas, que tinha perdido as perspectivas revolucionárias, que o problema era meu e não do Partido, que não éramos eurocomunistas e não renegávamos nada do passado do marxismo-leninismo", recorda Zita Seabra, sobre o momento da sua expulsão do PCP.

A deputada revela como, no meio do tumulto provocado pela sua expulsão, recebeu a solidariedade do Presidente da República da altura, Mário Soares, durante um jantar privado em casa do investigador João Carlos Espada.

"[Mário Soares] fez uma coisa muito importante naquele momento: deu-me apoio para combater o medo e as intimidações que o PCP me fazia", revela a deputada, que garante que sem o gesto do líder histórico do PS "não teria sido capaz de resistir e refazer" a sua vida.

Os últimos capítulos do livro abordam a queda do Muro de Berlim e a derrocada do regime soviético, relatando uma viagem que Zita Seabra fez a Moscovo para cobrir para o Expresso as primeiras "eleições livres" para o Congresso de Deputados do Povo da URSS.

Acompanhada por José Milhazes, actual jornalista da Lusa, Zita Seabra viu-se então confrontada com a derrocada do seus ideais de juventude, que a levaram a um longo e duro período de militância no PCP, marcado pelas agruras da clandestinidade.

"Pela primeira vez pus em dúvida o verdadeiro sentido de conceito de superioridade moral dos comunistas, ao constatar que as vítimas do comunismo são iguais às do nazismo. O terror revolucionário, com raízes no terror jacobino, abriu caminho a um dos maiores dramas a que assistimos no século XX, o comunismo. Só quando percebi que aquelas vítimas, aqueles milhões de mortos não podiam ser separados da essência do regime comunista, só nesse momento me libertei do comunismo", conclui.


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