Vizinhos salvam em Cascais idosos submersos em mais de um metro de água e lama
Cascais, Lisboa, 18 Fev (Lusa) - A madrugada de hoje foi de "desespero" para mais de vinte famílias que moram numa rua sem saída em Tires, no Concelho de Cascais, onde alguns habitantes salvaram vizinhos idosos submersos em mais de um metro de água e lama.
Eram cerca das 03:30 quando Jorge Semedo, morador no número um do beco de Nossa Senhora da Graça, começou a dar o alerta - a pequena rua, tapada ao fundo por um alto muro que a separa do mercado local, estava completamente inundada e a água proveniente das fortes chuvas já entrava em várias casas.
"Se eu não oiço os trovões e não me levanto a ver o que se passa, sabe-se lá o que tinha acontecido, porque estes buracos onde vivemos não aguentam com aquela força toda com que a água chegou. Tivemos de abrir dois buracos no muro para a água escoar, porque já me chegava aos ombros", conta o habitante.
A poucos metros do "monte de cimento que tapa a rua", Maria Henriqueta, de 74 anos e com dificuldades em andar, deitou-se na cama à espera que a fossem buscar, já que "nunca conseguiria escapar sozinha."
Quando os vizinhos chegaram, a idosa estava praticamente submersa em cerca de um metro e meio de água enlamaçada e a "poucos segundos de morrer" afogada, em "total desespero".
Manuel Martins, de 39 anos, um dos moradores que a socorreu, disse à Lusa que outras pessoas de mais idade e acamadas foram salvas "na hora H", uma vez que não tinham destreza física suficiente para resistir à força das águas.
A morar com os pais e numa situação financeira difícil, Manuel perdeu, como a maioria dos vizinhos, quase todos os bens que possuía - electrodomésticos, móveis e roupa foram destruídos e espalhados dentro e fora de casa.
"Por agora vamos ficar no hotel que a Câmara disponibilizou por 48 horas mas, depois, não temos para onde ir. Já mal temos dinheiro para a renda e o senhorio [que aluga todas as casas da rua] não vai pagar nada disto", lamenta, esperando, no entanto, que a situação motive a autarquia a realojá-lo numa casa com melhores condições.
A expectativa não é partilhada por Paulo, desempregado, que ainda se lembra das cheias que afectaram a rua em 1983 mas não motivaram qualquer apoio dos serviços camarários.
"Pediram-nos para fazer um levantamento de bens mas nunca nos chegaram a dar nada e agora vai ser igual. Numa outra casa aqui perto, em 67, até mandaram os meus pais embora com uns pares de peúgas", lembra.
A par dos restantes moradores, Paulo defende que o muro existente ao fundo da rua é a principal causa das inundações de hoje, uma vez que, do outro lado, o chão do mercado de Tires está a cerca de um metro acima do beco de Nossa Senhora da Graça.
Cerca de vinte habitantes foram realojados pela Câmara de Cascais num hotel local, enquanto outros preferiram ficar em casa de familiares.