Votação da futura lei sobre Procriação Medicamente Assistida é princípio do fim de processo com 20 anos

A futura lei sobre Procriação Medicamente Assistida (PMA) é votada terça-feira pela Comissão Parlamentar de Saúde, marcando o princípio do fim de um polémico processo com 20 anos, a idade do primeiro português nascido através desta técnica.

Agência LUSA /

Quando os deputados aprovarem o texto legislativo - primeiro na comissão de saúde e posteriormente em plenário -, os tratamentos contra a infertilidade (técnicas de PMA) irão finalmente estar sujeitos a uma lei e ser legalmente autorizados ou proibidos.

Apesar do vazio legal existente nesta área, os tratamentos de infertilidade com recurso a técnicas de PMA são praticados em Portugal há 20 anos, a idade do primeiro "bebé-proveta" português.

Desde então, e sem que fosse aprovada qualquer regulamentação, têm sido aplicadas várias técnicas, como a inseminação artificial, a Fertilização In Vitro (FIV), a microinjecção intracitoplasmática (um único espermatozóide insemina o óvulo) e recurso a dador de esperma.

Milhares de crianças nasceram em Portugal graças a estas técnicas que irão agora ter um enquadramento legal, o qual resulta da discussão de projectos do PS, PSD, PCP e Bloco de Esquerda, bem como de contributos de vários especialistas e entidades ligadas a esta matéria.

Médicos, enfermeiros, geneticistas, biólogos, organizações religiosas, entre outros, foram ouvidos pelos deputados da Comissão Parlamentar de Saúde desde que, a 21 de Outubro do ano passado, os projectos de lei foram discutidos e aprovados na generalidade em plenário da Assembleia da República.

Nesse dia, o PS propôs a constituição de um grupo de trabalho no Parlamento para discutir os vários projectos, o qual já realizou várias sessões e chegou ao texto final que será aprovado terça-feira.

A discussão revelou-se mais intensa em áreas como a maternidade de substituição, a reprodução heteróloga (com óvulos ou espermatozóides de dadores), a identificação dos dadores, os embriões excedentários (que resultam das técnicas de PMA e não são utilizados pelos casais) e ainda a definição dos beneficiários destas técnicas.

Relativamente a este último ponto, e perante a intenção do PS de deixar de fora as mulheres solteiras, o Bloco de Esquerda acusou os socialistas de cederem à "direita conservadora e retrógrada".

"Parece inexplicável que o PS tenha anunciado que pretende que a lei venha a impor de forma taxativa uma fronteira arbitrária e conservadora. Uma divisão entre uns, os inférteis que merecem e terão direito a receber as técnicas de PMA e os outros, também inférteis, mas que não merecem e que não têm direito a tentar realizar os seus projectos de paternidade", afirmou a deputada do BE Ana Drago.

Também a Comissão Instaladora da Associação Portuguesa de Infertilidade (CIAPI) acusou os partidos de estarem a criar discriminações entre pessoas inférteis ao afastar as mulheres solteiras.

Numa Carta Aberta enviada à Assembleia da República, o movimento critica a "discriminação das pessoas inférteis", afirmando que o documento que a Comissão Parlamentar de Saúde pretende aprovar não resolverá os problemas vividos por estes doentes.

"Não bastava às pessoas inférteis a infelicidade da doença, não bastava o desprezo institucional a que vinham sendo votadas, agora perspectiva-se um diploma que definitivamente legitima a segregação oficial das pessoas inférteis", defende a CIAPI.

O presidente da Assembleia da República irá em breve receber um manifesto com cerca de 75 mil assinaturas que tem como objectivo levar os deputados a debater em plenário uma petição a favor de um referendo sobre a PMA.

O manifesto - que tem como mandatários o dirigente social- democrata Alberto João Jardim, o cirurgião António Gentil Martins, o jurista António Pinheiro Torres, o economista António Bagão Félix, o professor Daniel Pinto Serrão, a psiquiatra Margarida Neto e o economista Pedro Vassalo - considera urgente "que exista uma lei que regule uma prática existente, uma vez que esta pode colidir, em alguns aspectos, com direitos fundamentais".

"Impõe-se que Portugal encontre agora a formulação legal que, de forma clara e transparente, dê resposta às questões que a PMA sempre consigo transporta", lê-se no documento.

As matérias que os autores do manifesto gostariam de ver referendadas prendem-se com "a criação de embriões excedentários, a legitimidade de acesso à PMA e a maternidade de substituição".

Os autores sugerem três "perguntas a submeter ao voto dos portugueses".

"Concorda que a lei permita a criação de embriões humanos em número superior àquele que deva ser transferido para a mãe imediatamente e de uma só vez? Concorda que a lei permita a geração de um filho sem um pai e uma mãe biológicos unidos entre si por uma relação estável? Concorda que a lei admita o recurso à maternidade de substituição permitindo a gestação no útero de uma mulher de um filho que não é biologicamente seu?", são as questões sugeridas.

As técnicas de PMA são praticadas em Portugal há 20 anos, não existindo desde então qualquer regulamentação nesta matéria.

A última tentativa parlamentar para legislar a PMA ocorreu durante a VII legislatura, mas o diploma, publicado em 1999, acabaria por ser vetado por inconstitucionalidade pelo ex-Presidente da República Jorge Sampaio e devolvido à Assembleia da República para reapreciação.

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