Zonas húmidas artificiais transformam águas residuais em recursos sustentáveis

Tratar e reutilizar águas residuais de forma ecológica e eficiente. Este é o objetivo de um projeto que está a ser implementado por uma investigadora da Escola de Ciências da Universidade do Minho. Passa pela utilização de zonas húmidas construídas - sistemas artificiais que imitam os processos naturais de depuração da água - para reaproveitar um recurso natural cada vez mais necessário.

Nuno Patrício - RTP /
Patrícia Gomes, 39 anos, é doutorada em Ciências, no ramo Geologia pela UMinho e cofundadora da spin-off ambiental PhytoClean. Fotos: UMinho - DR

O processo tem por base a utilização e imitação do que a natureza faz de melhor. Com recurso a plantas específicas e substratos naturais, elimina-se contaminantes que são depois filtrados através de leitos de solo ou areia e tratados por processos físicos, químicos e biológicos.


“Pensei: porque não começar a testar a utilização das chamadas soluções baseadas na natureza, ou seja, utilizar espécies de plantas alocadas a determinados substratos que pudessem fazer o tratamento de águas?”.

E se a natureza, embora limitada no tempo, consegue recuperar ecossistemas, estas soluções bioquímicas naturais trazem à investigação novas ideias e formatos para chegar a resultados úteis para o meio-ambiente.
As plantas purificam o ar, mas também a água
A natureza no seu todo continua a fascinar a comunidade cientifica e a dar provas da contínua transformação do meio em que vive. E apesar de a humanidade continuar a alterar o ecossistema, a natureza parece sempre encontrar caminhos e soluções.
Patrícia Gomes  explica que nem sempre as soluções estão à vista, pelo que importa olhar com cuidado para a biomassa e como o processo se desenvolve. Neste caso, as plantas que residem em alguns lagos naturais processam com eficácia a remoção dos vários contaminantes, como nutrientes (azoto, fósforo) e microrganismos que causam doenças. O agrião é apenas um exemplo de uma das muitas plantas que opera esta mudança natural.

O projeto que está a ser desenvolvido por Patrícia Gomes, no Instituto de Ciências da Terra, na ECUM, em Braga, de nome Wetlands e economia circular – uma solução sustentável para os recursos hídricos, tem por objetivo promover a biodiversidade e a reutilização da água em contextos agrícolas, industriais e urbanos, com baixo custo e consumo energético e fácil manutenção, enquadrando-se na Agenda 2030, da ONU.
Zonas húmidas. A ETAR natural
Uma Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) é uma instalação projetada para tratar as águas usadas, tanto domésticas quanto industriais, com o objetivo principal focado na remoção de poluentes e impurezas, garantindo que a água tratada não cause danos ao ecossistema.

Mas, se a natureza faz o mesmo, aproveitar este recurso natural e eliminar um conjunto de produtos químicos, utilizados nestas estações, foI um bom ponto de partida para a investigadora de 39 anos. Patrícia Gomes explicou à RTP as semelhanças entre uma wetland e uma ETAR.

“O que este sistema possibilita, além de tudo, é o baixo custo associado. Obviamente que uma ETAR trata efluentes provenientes de um enorme número de população e, portanto, numa população muito grande, um enorme número de pessoas. No entanto, estes tratamentos podem ser descentralizados em zonas com menos população, pois não tem grandes custos associados no que diz respeito à implementação e também à manutenção. Portanto, são ótimos para zonas onde não existam tratamentos, por exemplo, de águas residuais”.

O projeto conta com vários casos-piloto em Portugal e noutros países da Europa, sobretudo em contextos rurais, escolares e agrícolas, comprovando a viabilidade técnica, económica e social.

A investigadora Patrícia Gomes tem já em curso dois projetos-piloto concretos: um reutiliza água na rega e outro tem fins ornamentais e balneares, avaliando a eficácia do tratamento e o cumprimento dos requisitos legais.

Ambos têm a parceria de empresas e entidades municipais, promovendo a transferência de conhecimento, a aplicação prática das soluções e envolvendo estudantes em contextos reais de investigação.Repensar o modelo hídrico português
Perante os desafios das alterações climáticas, Portugal “terá de repensar” a forma como gere a água. “Obviamente que é necessário pensar de uma forma diferente e alertar também as consciências dos decisores políticos, nomeadamente falando, por exemplo, em termos de municípios que estejam cada vez mais atentos a estas soluções e também que se associem a este tipo de investigação, nomeadamente no que diz respeito aqui a associações e relações entre as universidades, município e também as empresas”, refere a investigadora da UMinho.

Para Patrícia Gomes, é necessário “apostar na eficiência, na reutilização de águas residuais tratadas e na descentralização dos sistemas de saneamento, através de soluções como zonas húmidas construídas”.

Uma solução ecológica e que está já a ser adotada como projetos-piloto em algumas empresas e autarquias.

Este cenário representa uma oportunidade para repensar o modelo hídrico nacional com base na sustentabilidade, na economia circular e na resiliência climática, acreditando a investigadora “que uma observação atenta à natureza nos dará respostas para os problemas atuais e também os futuros”.

A investigadora Patrícia Gomes é doutorada em Ciências no ramo Geologia pela UMinho e cofundadora da spin-off ambiental PhytoClean. Soma tambem variados artigos e comunicações científicas, 30 atividades de divulgação, a participação em seis projetos internacionais e diversos prémios de empreendedorismo e fotografia científica. É também cocoordenadora do grupo “Desafios e Soluções Ambientais” do Instituto de Ciências da Terra, membro da Associação Internacional de Águas de Mina e editora convidada da revista Minerals.
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