Imprensa norte-americana aponta as "palavras mais duras" de Bento XVI
Os principais títulos da imprensa norte-americana, o The New York Times e o The Washington Post, assinalam uma ruptura de Bento XVI no tratamento dado aos casos de pedofilia dentro da Igreja de Roma durante a entrevista a bordo do avião que o trouxe para Portugal. "As mais fortes palavras" do Papa para dentro da hierarquia é a expressão usada pelos jornais, que assinalam o final da estratégia erguida pela Santa Sé, que se dizia alvo do ataque dos média.
Primeiro, Bento XVI afirmou que "a Igreja tem uma profunda necessidade de reaprender a penitência, de aceitar a purificação, implorar perdão", sublinhando ainda que "o perdão não é um substituto para a Justiça".
Depois, acrescentaria que "os ataques ao Papa e à Igreja não vêm só de fora, os sofrimentos da Igreja vêm do seu próprio interior, do pecado que existe na Igreja".
A correspondente do NYT no Vaticano, Rachel Donato, viu nestes dois momentos uma mudança de percepção por parte do Papa relativamente aos casos de pedofilia que estão a afectar a Igreja - crise que o próprio Bento XVI apelida de "verdadeiramente aterradora".
Refere a jornalista que a um momento o líder dos católicos emite um aviso aos padres pedófilos que não mais serão tolerados estes crimes e reconhece também que a questão fulcral com que o Vaticano se deve debater não é "o ataque dos média", como anteriormente a Santa Sé pretendeu fazer crer, mas encarar o problema como uma questão que nasceu de "falhas" dos membros da hierarquia.
"As suas declarações tinham como alvo o interior da Igreja - um aviso aos clérigos de que não serão tolerados crimes - e o exterior, indicando pela primeira vez desde o agravamento da crise dos abusos na Europa que ele percebe pessoalmente a dimensão do problema", refere a repórter do NYT numa peça que teve chamada à primeira página.
Sublinha Rachel Donadio que a Igreja, que anteriormente montara uma estratégia de vitimização apontando os ataques dos media ao Papa e a toda a instituição, vem agora reconhecer pela voz do líder de Roma que os ataques "não vêm só de fora, os sofrimentos da Igreja vêm do seu próprio interior, do pecado que existe na Igreja".
A este propósito, o jornal ouviu John Allen, colunista do National Catholic Reporter: "Este é o exemplo mais claro que teremos oportunidade de ver do Papa a alterar o tom público do Vaticano".
No NYT é ainda referida a recente carta de Bento XVI às vítimas de pedofilia na Irlanda e o encontro com vítimas em Malta para marcar essa diferença do entendimento revelado ontem pelo Papa em relação a estes crimes: se antes era feito o pedido de perdão e reconhecimento dos actos dos clérigos pedófilos, é agora acrescentada a necessidade de justiça, refere a jornalista.
Ao falar de diferença entre "perdão e justiça", Bento XVI poderá colocar fim na ideia de que os membros da Igreja deixarão de ver os seus problemas resolvidos dentro da hierarquia católica para passar a prestar contas perante a Justiça.
The Washington Post aponta mudança de mira de Bento XVI
O Post dedica igualmente uma peça à entrevista de Bento XVI a bordo do avião, sublinhando também essa distinção lida nas respostas do bispo de Roma: a Igreja Católica deverá passar a preocupar-se com os culpados dentro de sua casa e não ver estes casos como uma maquinação orquestrada pelos média contra a Santa Sé.
O artigo assinado por Nicole Winfield vê ainda nas palavras do Papa a "mais dura" alocução dirigida aos padres pedófilos que cometeram os crimes que nos últimos tempos chegaram ao conhecimento público, mas que anteriormente eram já do conhecimento das estruturas internas da Igreja.
Depois da missiva aos irlandeses e do encontro em Malta, refere o artigo, Bento XVI aponta um virar de agulhas do Vaticano, que tem agora os pedófilos na sua mira.
No entanto, David Clohessy, director da Rede de Sobreviventes de Abusos por Padres, insta o Papa Bento XVI a, mais do que emitir "comentários fortes", empreender "acções fortes".
A mesma linha interpretativa é ainda colocada num artigo do The Wall Street Journal, que relaciona os casos de pedofilia na Igreja com o afastamento de católicos da Igreja, o que coloca em causa "o objectivo central do Papa": expandir o número de fiéis.