Política
12 de julho de 1973, quando a PSP entrou a tiro nas oficinas da TAP
Nove meses antes do 25 de Abril, ocorria a greve mais explosiva que a ditadura do Estado Novo viu, numa só empresa, durante os seus 48 anos de existência. Cinco mil trabalhadores da TAP tinham-se concentrado, a polícia entrou a tiro na área das oficinas para dissolver a concentração. Causou vários feridos, mas sofreu outros tantos e teve de retirar ingloriamente. A greve prosseguiu durante mais uma semana e os trabalhadores acabaram por vencer em toda a linha.
Supostamente, eram ainda tempos de "primavera marcelista" e de conflitos resolvidos por via do diálogo. Os putativos interlocutores desse diálogo tinham nomes que ainda hoje nos dizem alguma coisa: do lado da ditadura, o ministro das Corporações e Previdência Social, Baltazar Rebelo de Sousa, pai do atual presidente da República; do lado dos trabalhadores, Jorge Sampaio, advogado do Sindicato dos Metalúrgicos.
Mas o único diálogo que a ditadura admitia era apenas o de bastidores. Enquanto os interlocutores fossem os delegados do Ministério, da Administração da TAP e os representantes do sindicato ainda seria suportável a encenação do diálogo. Acontece que os trabalhadores queriam reunir, discutir, tirar as suas conclusões e fazer ouvir as suas exigências.
Por isso tinham participado massivamente nas primeiras eleições sindicais que, à boleia da "primavera marcelista", se tinham realizado em toda a vigência da ditadura. Em vez dos diretores de sindicato nomeados pelo Governo, passou a haver dirigentes eleitos pelos trabalhadores em todo um rol de sindicatos: Bancários,
Caixeiros, Têxteis, Metalúrgicos, Marinha Mercante. Esses sindicatos
tinham começado a reunir e dado origem à Intersindical.
O sindicato dos metalúrgicos e o núcleo duro da TAP
Um
dos mais dinâmicos era o Sindicato dos Metalúrgicos, cuja nova direção tinha
como coluna vertebral o núcleo de ativistas da TAP. A nova direção do
sindicato, presidida por António Santios Júnior, chegou em 1970 a reservar o
Estádio da Luz para uma assembleia geral, depois proibida, do distrito
de Lisboa; e levava a cabo um trabalho de base incansável, para a
criação de comissões sindicais nos locais de trabalho.
Depois de mandar proibir a assembleia, Baltazar Rebelo de Sousa mandou destituir a direção do sindicato e substituí-la por uma comissão administrativa. Mas já não era possível voltar atrás. O "problema" que a nova direção metalúrgica representava para a
ditadura não estava, em boa verdade, resolvido. O trabalho de base,
fábrica por fábrica, dava os seus frutos. As comissões eleitas em cada
local de trabalho davam sequência ao trabalho iniciado pela direcção
destituída.
No caso da TAP, mantinham-se reuniões quinzenais de activistas, que
juntavam nas instalações do sindicato cerca de meia centena de pessoas. A
comissão administrativa tratava de desmobilizar as
reuniões com o pretexto de participarem demasiadas pessoas para as
exigências de segurança do velho edifício.
Em breve se conseguiu eleger uma nova direção para o sindicato, que retomou o trabalho da anterior. Em julho de 1973, estava esboçado o conjunto de reivindicações para um novo
acordo colectivo na TAP. Sucederam-se as assembleias, na Voz do
Operário, com participação crescente de trabalhadores: em 11 abril, com
600 presenças; em 7 de maio, com cerca de 1.000; em 30 junho, novamente
com cerca de mil.
Os trabalhadores que participaram nessas efervescentes assembleias,
recordam que elas eram sempre presenciadas "por um jornalista do Diário
de Notícias, que dormia a sono solto, e por dois pides, muito despertos e
muito preocupados". A preocupação era tanta que a assembleia marcada
para 11 julho foi, finalmente, proibida.
Cargas policiais na Voz do Operário e no aeroporto
Cargas policiais na Voz do Operário e no aeroporto
Mas, como a proibição só
foi comunicada à comissão sindical por volta das 18h00, esta utilizou o
pretexto para se declarar incapaz de desconvocar os trabalhadores, já
preparados para comparecerem às 21h00. Quando os trabalhadores começaram a
chegar ao Largo da Graça, para descerem até à Voz do Operário, a PSP
carregou violentamente sobre eles.
A reação espontânea, que não se sabe exactamente de onde surgiu, foi a palavra de ordem: "Todos ao aeroporto". Na noite de 11 de julho, deu-se logo uma primeira concentração no aeroporto. No dia seguinte, as oficinas pararam e uma concentração ainda maior, calculada em cinco mil trabalhadores, exigia explicações à administração da empresa pelos factos da véspera.
No entanto, a resistência dos trabalhadores, em terreno conhecido, rapidamente se tornou insustentável para a polícia. Esta tentou ainda entrar num dos hângares, mas renunciou à ideia, ao notar que podia ser alvo do dispositivo anti-incêndios - nesse caso, com um balanço pesado e, inevitavelmente, mortos e feridos de ambos os lados. Alvejada por fisgas, com esferas de rolamentos facilmente acessíveis nas oficinas, a PSP decidiu retirar-se das instalações. Mas teve de fazê-lo também sob uma chuva de projéteis que a atingiam a partir dos edifícios de escritórios.
Epílogo de uma greve histórica
Nos dias seguintes, longe de regredir, o conflito intensificou-se com a extensão da greve das oficinas à pista e aos escritórios. Só em 17 de julho se registou o regresso ao trabalho, após conclusão de um acordo em sede de comissão arbitral em que Jorge Sampaio votou vencido, por não ver nele satisfeita a reivindicação de se realizar a assembleia impedida em 11 de julho.
No entanto, o acordo representava para os trabalhadores uma meia vitória ou mais: garantia que não houvesse prisões ou outras represálias; que seriam libertados os presos na noite de 11 de julho; e que haveria infoprmação sobre o estado dos feridos e tratamento dos mesmos por conta da TAP.
Assim se concluía, a nove meses do 25 de Abril, uma das greves mais importantes da História do movimento operário português.
Comemoração do cinquentenário da greve
Hoje, os grevistas sobreviventes de 1973 estão todos reformados, mas continuam a comemorar a efeméride em datas redondas, sempre com o orgulho de terem dado, nove meses antes do 25 de abril, um impulso decisivo ao parto da liberdade. Por iniciativa de uma comissão criada para o efeito e com o apoio do SITAVA (sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos), realiza-se hoje na Voz do Operário um almoço comemorativo a partir das 12h30 e amanhã, 12 de julho, uma concentração na área das oficinas da TAP, entre o edifício 25 e as escadas do refeitório, a partir das 12h00.