Amamentação. "Foi uma surpresa. Tema sempre foi pacífico", garante Vieira da Silva

O ex-ministro do Trabalho José Vieira da Silva considera que as declarações da ministra Maria do Rosário Palma Ramalho sobre alegados abusos de mães na amamentação foram feitas com "leviandade" e "ligeireza". O socialista assegura que assunto nunca foi problema para as confederações patronais.

João Alexandre - Antena 1 /

Vídeo e edição: Sofia Vicente

Num momento em que se sucedem as reações às declarações da ministra do Trabalho sobre a redução do horário de trabalho para amamentação, José António Vieira da Silva, ex-ministro do PS, lamenta as afirmações de Maria do Rosário Palma Ramalho e defende que a governante deveria ter sido mais criteriosa nas afirmações.

"A declaração da senhora ministra é, talvez, ainda mais incompreensível do que o texto da proposta de lei, porque a justificação é infeliz e precipitada. Eu diria, até, leviana, porque, não tendo os dados - e é muito difícil tê-los, porque é uma relação entre a empresa e a trabalhadora - é uma espécie de manto negro sobre quem beneficia desta medida", diz, em entrevista à Antena 1.

Para Vieira da Silva, a ministra do Trabalho do Executivo de Luís Montenegro demonstrou "leviandade" e "ligeireza" na forma como apresentou algumas das medidas da reforma laboral que o Governo quer ver aplicadas - quer no caso do período de amamentação em horário laboral, quer no caso dos contratos a prazo.

"São afirmações incompreensíveis e, a mim, surpreende-me, porque conheço a senhora ministra, sei que é uma reputada académica e tive a ocasião de ter vários contactos com ela quando desempenhei funções de ministro. Surpreende-me esta ligeireza, porque estes sistemas são muito sensíveis. Iniciar desta forma a apresentação de um projeto de lei faz-nos pensar o que é que está nos outros pontos todos [da proposta do Governo]", insiste o ex-governante.
Patrões nunca levantaram problemas: "Foi uma surpresa"

José António Vieira da Silva, autor da reforma da legislação laboral de 2009, rejeita ainda que a limitação a dois anos da redução do horário de trabalho de uma mãe para efeitos de amamentação tenha sido, nos últimos anos, uma questão levantada pelas confederações patronais: "É um tema que sempre foi pacífico. Para mim foi uma surpresa".

No mesmo sentido, Vieira da Silva afirma que a legislação portuguesa tem vindo a melhorar - com "todos os governos" - as políticas de conciliação da vida profissional, a familiar e pessoal e que também as confederações patronais têm estudado as questões da natalidade e das políticas de família de forma a que seja possível às famílias "terem tantas crianças quanto gostariam".

O ex-ministro socialista considera mesmo que Estado e empresas devem ser "parceiros" na construção de políticas: "Não é possível construir de um lado ou de outro. Se não houver um entendimento só vamos dificultar. Claro que há outras medidas que os governos podem tomar, mas a questão do trabalho é uma questão crucial na nossa sociedade. Bem ou mal, todos somos moldados pelo que fazemos do ponto de vista profissional. Portanto, quando está em causa um conflito potencial entre ter filhos ou optar por uma carreira profissional (...) o Estado tem de assegurar que isso é compatível com a vida familiar".

"Não há momento mais crítico da vida familiar do que o nascimento e os primeiros anos da vida de um bebé. Isso é um dado que todos nós conhecemos e que faz parte da nossa vida", diz.
"Acordo com Chega provocaria mal-estar no PSD"

Conhecida a intenção do Chega de alcançar um acordo com o PSD em matéria de legislação laboral, Vieira da Silva considera que, a confirmar-se, seria negativo para os trabalhadores, mas também um problema dentro do partido liderado por Luís Montenegro.

"Nós estamos a assistir a um namoro entre o Chega e o Governo. Houve troca de presentes na lei da imigração, com um 'toma lá algumas das medidas que tu gostavas de aplicar, toma lá o meu voto'. Foi uma troca de presentes entre as duas partes. Se houvesse essa troca de presentes na legislação laboral, o namoro aproximava-se mesmo muito de um noivado, porque são duas áreas de enorme sensibilidade", avisa o ex-ministro.

Nesta entrevista à Antena 1, Vieira da Silva refere que existem hoje, em Portugal, mais de cinco milhões de pessoas a trabalhar e que "uma parte significativa" são imigrantes a descontar para a Segurança Social. 

"Há uma ligação entre imigração e trabalho. Curiosamente, estamos a assistir uma tentativa do Chega de consumar esse relacionamento também nesta área. Tenho dúvidas de que isso venha a acontecer, acho que isso provocaria muito mal-estar nas fileiras do PSD, onde há muita gente que tem uma visão - diferente da minha, eventualmente - equilibrada das relações de trabalho e que não é a mesma que o Chega tem".

Em jeito de conclusão sobre a proposta de reforma da legislação laboral, o ex-ministro do Trabalho considera que foi um "primeiro passo errado" do Governo, na medida em que, entende Vieira da Silva, já existe "um arranjinho" com o partido de André Ventura que "não favorece o consenso social e o mínimo de entendimento entre os partidos democráticos no parlamento".
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