Carga fiscal aquece debate quinzenal dominado pelo apoio à cultura

por Christopher Marques - RTP
José Sena Goulão - Lusa

A polémica referente ao concurso de apoio às artes dominou as atenções no debate quinzenal desta quinta-feira. António Costa ouviu queixas de todos os partidos e lamentou que as críticas ao regulamento não tivessem sido feitas antes do concurso. O tom do debate aqueceu no confronto direto com Assunção Cristas sobre a carga fiscal. O BE trouxe ainda a debate o tema da habitação, com Costa a prometer apresentar medidas em abril. O PCP centrou críticas no Novo Banco.

Apesar de estar marcado um debate de atualidade sobre o tema para esta sexta-feira, o plenário quinzenal com o primeiro-ministro não escapou ao tema que tem dominado a atualidade nacional. António Costa viu-se confrontado com as críticas aos resultados do concurso de apoio às artes a chegarem da esquerda e da direita. O Partido Ecologista “Os Verdes” deu início à discussão logo na primeira intervenção.

Heloísa Apolónia considerou insuficiente o financiamento previsto de 19,2 milhões de euros. O PEV defende um investimento mínimo de 25 milhões de euros e advertiu que o modelo do programa pretende 'democratizar' mas tem tido o efeito de "desmotivação" dos agentes culturais.

Em resposta à deputada ecologista Heloísa Apolónia, António Costa garantiu que o concurso inicial tinha uma verba 41 por cento superior à registada no ano anterior. O primeiro-ministro afirmou ainda que algumas das entidades culturais que têm sido referidas na comunicação social como não tendo recebido apoio público não o receberam porque “o júri entendeu que não eram merecedoras de apoio”. O primeiro-ministro anunciou ainda que foi decidido atribuir apoio a 43 entidades que não o tinham conseguido no concurso.

O ataque ao concurso de apoios às artes seguiu com o correr do debate. O social-democrata Fernando Negrão começou por felicitar os agentes culturais por terem “batido o pé” e “assustado” o Executivo. O líder parlamentar do PSD acusou o Governo de não cumprir a sua promessa de campanha de avançar com um “governo da cultura”.

Costa respondeu que a verba a concurso era superior à existente quando o PSD e o CDS-PP formavam Governo. O primeiro-ministro exemplificou ainda a aposta do Executivo na cultura com a aquisição da coleção Miró que o Executivo anterior pretendia vender. Costa acusou o PSD de só ter acordado para a cultura “no dia em que a Cultura protestou do resultado do concurso”.

As críticas referentes aos apoios à cultura chegaram também da Bloco de Esquerda. Catarina Martins começou por desarmar o PSD com críticas à política cultural de Rui Rio quando era autarca do Porto. Seguiu depois para as críticas ao Governo.

A coordenadora do Bloco de Esquerda afirmou que o orçamento está agora “pior distribuído” e que esta polémica não aconteceria se a verba para cultura tivesse aumentado significativamente.

“Nada justifica que o Orçamento para a cultura no Orçamento do Estado seja quase igual a zero. No Orçamento do Estado para este ano, o financiamento para todas as artes representa menos de metade do que o Governo concede em apenas um artigo dos benefícios fiscais a grandes empresas como o Pingo Doce. Isto é impossível de explicar ao país”, afirmou.

Na resposta, o primeiro-ministro admitiu que possa haver alterações no novo modelo mas assinalou que não foram apresentadas queixas quando o regulamento foi realizado. António Costa admitiu ainda que as verbas pudessem ser maiores, tal como poderia acontecer noutras áreas. “A questão é saber qual é a adequação e a boa composição da despesa em face dos recursos que estão disponíveis”, explicou.

António Costa diz ter constatado que houve um conjunto de entidades que antes tinham apoio e que o perderam com o novo modelo. O primeiro-ministro revelou que, por isso, será hoje divulgada uma lista com mais 43 entidades que serão apoiadas. Catarina Martins insistiu nas críticas e pediu a António Costa que “ouça o setor”.

Jerónimo de Sousa juntou a voz do PCP às críticas ao concurso de apoio às artes. O PCP lamentou que “continue a faltar dinheiro para muita coisa” mas não para a banca. Jerónimo defende que é preciso rever o modelo e que o aumento do financiamento anunciado não é suficiente. O PCP pretende ainda que os resultados do concurso sejam revistos.

António Costa voltou a lamentar que ninguém tivesse criticado o modelo e apresentado alternativas durante o tempo que esteve em discussão. “Essas alternativas não foram apresentadas e este concurso foi aberto com base no novo modelo”, explicou. Costa disse que uma eventual anulação do concurso iria atrasar o financiamento às artes, prejudicaria as entidades e seria ilegal.

Jerónimo de Sousa retorquiu que “uma coisa é ser ouvido, outra coisa é ter-se em consideração aquilo que se disse”. O líder comunista afirmou que os interessados se pronunciaram na altura e pediu que seja divulgado o conteúdo do debate.
Novo Banco vs Cultura

Num debate marcado pelas críticas ao concurso de apoio às artes, o Novo Banco surgiu como tema de contraponto. BE e PCP lamentaram que dinheiro para a banca mas não para a cultura. Em causa, o novo empréstimo público de 780 milhões de euros à instituição que resultou do fim do Banco Espírito Santo.

“Como é que o Governo pode justificar que haja agora 800 milhões de euros para injetar no Novo Banco mas não haja dinheiro para avançar mais na reposição de rendimentos e direitos. Valorizámos muito os avanços que referiu mas isso não significa que o Governo fique isento de críticas, tendo em conta opções erradas como no caso do banco que aqui referi”, afirmou o secretário-geral comunista.

Na resposta, António Costa assinalou que o Governo vai emprestar dinheiro ao Novo Banco que será depois pago. O primeiro-ministro explicou que a nacionalização do banco teria obrigado o Estado a colocar mais de quatro mil milhões de euros na instituição.

“O que conseguimos com a venda do banco é que este prejuízo é do banco e dos seus acionistas. Há um apoio através do Fundo de Resolução com base num empréstimo do Estado mas que o Estado vai recuperar”, afirmou o chefe do Governo. Jerónimo de Sousa respondeu que não acredita que o empréstimo venha a ser pago.
Carga fiscal aquece debate
A cultura dominou mas foram as Finanças que aqueceram o debate.

Assunção Cristas acusou o Governo de não ter “virado a página da austeridade”, tendo sublinhado que a carga fiscal em percentagem do fiscal aumentou. Costa recuperou a explicação de Centeno, afirmando que o aumento da receita fiscal se deve essencialmente ao crescimento da economia e do emprego.

Cristas acusou Costa de não ser capaz de admitir o erro. “Escusa de querer enganar as pessoas”, afirmou. O CDS-PP afirmou que o Governo tem aumentado a receita do IVA, aumentou os impostos sobre os combustíveis e que a carga fiscal subiu em valores absolutos, em percentagem do PIB e aumentou por via dos impostos indiretos.

“O senhor falhou o seu objetivo. Fê-lo através dos impostos indiretos. É claríssimo hoje perante todos os portugueses que há uma austeridade encapotada e escondida através dos impostos indiretos que o senhor aumentou”, afirmou a líder cristã-democrata. Cristas recorreu aos dados do INE que indicam que a carga fiscal atingiu o valor máximo em 23 anos.

António Costa respondeu que Cristas “confunde” as coisas e insistiu que o Executivo não aumentou taxas. O primeiro-ministro disse mesmo que a carga fiscal, se não forem tidas em conta as contribuições sociais, tem diminuído desde 2015.

“A diferença do aumento da receita explica-se essencialmente por algo positivo chamado emprego. Quando alguém que está no desemprego passa a estar empregado passa a contribuir para a Segurança Social. Sim, aumenta a tributação para o Estado mas porque ganhou um emprego”, retorquiu o chefe de Governo.

“Gostava que a senhora deputada um dia me apresentasse alguém que prefira estar desempregado do que estar empregado e contribuir para a Segurança Social e para a sua reforma”, afirmou. Costa manteve-se ao ataque, recordando uma “direita que achava que grande parte da população são uns mandraços que não querem trabalhar e preferem estar no desemprego”.

Assunção Cristas manteve a acusação ao Governo de ter aumentado a carga fiscal por via dos impostos indiretos. A líder do CDS-PP criticou ainda Costa pelas alterações à lei laboral que, refere Cristas, têm permitido a redução do desemprego.

O primeiro-ministro retorquiu contra as “ilusões da direita sobre o poder mágico da lei”. “Essa legislação de trabalho criou tantos postos de trabalho como a sua legislação de arrendamento criou habitação acessível para os portugueses”, ironizou.
Políticas de habitação em abril
O Bloco de Esquerda levou o tema da habitação ao debate quinzenal. Catarina Martins acusou a Fidelidade de levar a cabo despejos na região de Lisboa, pondo em causa a habitação de milhares de famílias.

O primeiro-ministro disse que o Governo está a acompanhar a situação e culpou o anterior Governo pela “precarização da habitação”. António Costa prometeu que em Abril serão apresentadas as medidas que têm sido prometidas para este setor.

O chefe do Governo defendeu que "é necessária uma nova geração de políticas de habitação que assegurem habitação acessível", tendo anunciado que as medidas serão conhecidas ainda este mês em “homenagem ao 25 de Abril e ao artigo 65 da Constituição que consagra o direito à habitação como um primeiro direito".
Combate aos incêndios

Depois da cultura, o PSD centrou as críticas na preparação para a próxima época de incêndios. O PSD acusou o Governo de voltar a falhar na contratação de meios aéreos e perguntou quando é que o executivo tenciona ter a totalidade dos meios aéreos contratualizados.

O primeiro-ministro garantiu que serão assegurados os meios aéreos e que haverá maior capacidade de intervenção do que a existente no ano passado. Costa apontou ainda que a nova lei orgânica da Autoridade Nacional da Proteção Civil deverá ser aprovada em Conselho de Ministros em maio.

Negrão introduziu ainda no debate um relatório recente que aponta para o aumento do tempo de resposta do INEM. António Costa garantiu que este estudo será rapidamente enviado para a Assembleia da República.

O líder parlamentar do PSD quis ainda saber a razão da demora do pagamento de pensões de sangue às famílias de pelo menos dois militares mortos em combate.

"O processo está a decorrer nos termos próprios da legislação para atribuição de pensões a feridos e mortos em missões internacionais", disse apenas António Costa, que lembrou o seu tempo de Serviço Militar Obrigatório para mostrar a sua compreensão com a "complexidade destes processos".

Combate à precariedade
O deputado do PS Tiago Barbosa Ribeiro enalteceu o que considera serem as melhorias no que dizem respeito ao emprego, nomeadamente o combate à precariedade, a redução do desemprego e o aumento do salário mínimo. António Costa assinalou que foram criados “288 mil postos de trabalho” nos últimos dois anos e que Portugal está “no bom caminho”.

O primeiro-ministro disse que foram identificados dois problemas que pretende combater: a desvalorização da contratação coletiva e a precarização do mercado de trabalho. Costa defendeu que o combate à precariedade é “essencial” para que as empresas sejam mais competitivas.

Mais tarde, o Bloco de Esquerda denunciou que há reitores a bloquear a regularização de precários nas universidades. Catarina Martins questionou se o Governo tenciona manter os investigadores em situações precárias. Costa respondeu que respeita a autonomia das universidades mas garantiu que será respeitada a lei e que, em todos os casos em que a lei imponha a contratação, a mesma será cumprida.

O BE abordou ainda o Governo sobre a greve da Ryanair, acusada de não cumprir a lei laboral portuguesa e de violar o direito à greve com recurso a tripulações estrangeiras para substituir grevistas. Catarina Martins sublinhou que Portugal não é uma “república das bananas”. António Costa garantiu que o Governo está a desencadear todas as ações para que seja respeitada a lei.
Impacte ambiental do novo aeroporto
Na última intervenção da sessão, o PAN trouxe a debate o estudo de impacte ambiental do aeroporto do Montijo. André Silva notou que deveria ser feita uma análise estratégica a longo prazo desta infraestrutura, nomeadamente sobre a redução da biodiversidade, constrangimento dos transportes, aumento do ruído e consequências no estuário do Tejo.

O partido Pessoas - Animais - Natureza perguntou a Costa se um resultado negativo significará o fim do projeto do aeroporto do Montijo.

António Costa respondeu que se esgotou o tempo mas garantiu que “uma obra como o aeroporto tem de ser desenvolvida com todas as cautelas e todas as medidas necessárias a mitigar os seus efeitos negativos, diretos e indiretos”. O primeiro-ministro anunciou que só será feita a avaliação estratégica de impacte ambiental se for necessário por lei.

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