Caso gémeas. Proposta de relatório da CPI aponta para possível "abuso de poder" de Marcelo

A proposta de relatório do inquérito parlamentar ao caso das gémeas luso-brasileiras, redigida por Cristina Rodrigues, do Chega, acusa o Presidente da República de "abuso de poder". PSD e Bloco de Esquerda contestam o documento e consideram que as conclusões apresentadas não refletem os trabalhos da comissão.

Andreia Martins - RTP /
Foto: Tiago Petinga - Lusa

"A conduta do Presidente da República é especialmente censurável por se tratar do Chefe de Estado e, como tal, qualquer pedido feito por si ou em seu nome tem inerente uma convicção de obrigatoriedade de cumprimento por parte de quem recebe o pedido, ainda que não seja necessariamente uma ordem, revelando assim a eventual prática de abuso de poder", pode ler-se na proposta de relatório a que a RTP teve acesso.

No documento com 254 páginas, a relatora conclui que "ficou provado que Nuno Rebelo de Sousa pediu ajuda ao pai, o presidente da República, para salvar as gémeas luso-brasileiras", considerando ainda que ficou provado que este "tomou diligências acrescidas face ao que costuma fazer com outros cidadãos que a ele recorrem".
Caso foi apresentado "de forma diferenciada"

A deputada Cristina Rodrigues observa no relatório que "não há justificação para que os ofícios remetidos ao Gabinete do Primeiro-Ministro, não sigam todos a mesma forma".

"Se efetivamente foi um mero ato administrativo de dar a conhecer um determinado caso que chegou à Casa Civil, não podemos deixar de questionar porque razão segue uma forma e conteúdo bastantes distintos", pode ler-se no documento. 

O relatório destaca que "o ofício remetido pela Casa Civil ao Gabinete do primeiro-ministro" tem uma "descrição da problemática" das duas crianças, com a indicação que "a toma toma do Zolgensma é uma questão de vida ou de morte para as gémeas", incluindo mesmo os "contactos telefónicos dos país".

De seis diferentes ofícios remetidos no mesmo dia pela presidência ao gabinete do primeiro-ministro "só o das gémeas tinha informação distinta e muito mais completa, assim como contactos, levando-nos a concluir que a Casa Civil agiu neste caso de forma diferenciada".

"O Presidente da República agiu de forma consciente e intencional, pois foi ele próprio que mandatou dois funcionários da Casa Civil (Maria João Ruela e Frutuoso de Melo) para verificarem a situação das gémeas, o que implicou contactos com pelo menos um hospital, vários contactos com o filho e o envio de ofício reportando a situação para o gabinete do primeiro-ministro, não tendo sido possível, no entanto, confirmar se este depois chegou ao Ministério da Saúde, lê-se ainda no relatório.
"Responsabilidade política" de Marcelo e Lacerda Sales

No documento adianta-se também que foi o então secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, quem executou "a ordem" para que estas crianças entrassem no Serviço Nacional de Saúde, "havendo fortes indícios que terá sido a pedido do presidente da República, através do seu filho, Nuno Rebelo de Sousa".

"Ficou provado que embora não existindo uma lista de espera oficial, havia pelo menos mais quatro casos de outras crianças luso-descendentes que residiam no estrangeiro, com o mesmo diagnóstico a quem não foi autorizada a marcação da consulta e, consequentemente, acesso ao medicamento", lê-se nas conclusões do relatório.

Se Nuno Rebelo de Sousa "é o promotor da ilegalidade cometida", o relatório aponta que a "responsabilidade política" não é dele, "mas do presidente da República e do secretário de Estado", ao permitirem "um circuito irregular e abusivo de acesso ao SNS, através de interferência direta ou indireta".

As conclusões deste relatório foram apresentadas pela deputada relatoria Cristina Rodrigues, do Chega, numa conferência de imprensa na Assembleia da República em que também esteve o presidente do partido, André Ventura. O documento foi distribuído aos partidos nessa mesma comunicação e deverá agora ser discutido e votado na comissão parlamentar de inquérito.
O líder do Chega considerou que, com este relatório, "há uma suspeita grave, forte e mais ou menos sustentada relativa ao abuso de poder que o presidente da República poderá ter cometido".

Cristina Rodrigues destacou, na conferência, o "papel central" desempenhado por Nuno Rebelo de Sousa ao longo do processo, ao aproveitar "os seus conhecimentos políticos".
"Partidarização e instrumentalização", aponta o BE

Pouco depois da apresentação do relatório por parte do Chega, o Bloco de Esquerda acusou o Chega de aproveitamento político e eleitoral de um documento que ainda não tinha sido ainda distribuído aos restantes partidos.

Em conferência de imprensa a partir da Assembleia da República, Joana Mortágua considerava que as conclusões apresentadas não refletem o debate na Comissão Parlamentar de Inquérito.
A deputada do Bloco de Esquerda salientou que o documento em causa era até então "desconhecido pelos membros da Comissão de Inquérito".

Por isso, o Bloco de Esquerda entregou um "protesto" em relação "à forma como André Ventura e a deputada Cristina Rodrigues se aproveitaram dos trabalhos desta comissão e de um relatório que não lhes pertence, mas pertence à discussão e ao contraditório no âmbito da comissão".

Acrescentou que a conferência de imprensa em causa foi "partidarizada" e não reflete as conclusões da comissão do inquérito. "É um assalto institucional. É uma partidarização e instrumentalização de uma comissão de inquérito para efeitos eleitorais", referiu ainda.
"Não há prova". PSD contesta relatório

Por sua vez, o PSD considerou esta sexta-feira que as conclusões sobre o envolvimento do Presidente da República no caso são falsas. O deputado António Rodrigues sublinhou que o que ficou provado foi extatamente o oposto, ou seja, que não há prova de qualquer intreferência política de Marcelo Rebelo de Sousa.

O deputado social-democrata contestou, em conferência de imprensa a partir da Assembleia da República, a "forma como as próprias conclusões foram apresentadas".
"Não há prova efetiva daquilo que foi afirmado, nomeadamente em relação à intervenção do presidente da República", afirmou António Rodrigues. Defendeu que "ficou claro" para os deputados do PSD que, na sua intervenção, o presidente da República se limitou a prosseguir os trâmites normais até chegar ao Ministério da Saúde.

O deputado social-democrata defendeu que Marcelo Rebelo de Sousa "se limitou a reencaminhar um e-mail que recebeu do filho".
Tópicos
PUB