Cavaco bateu Soares e "tropeçou" na crise no caso BPN

Cavaco Silva venceu as presidenciais de 2006, com os socialistas divididos, numa eleição em que reencontrou Mário Soares, o Presidente com quem o antigo primeiro-ministro do PSD coabitou durante dez anos.

Lusa /
Aníbal Cavaco Silva, eleito Presidente da República em 2006 | Inácio Rosa - Arquivo Lusa

2006: Embate entre Mário Soares e Cavaco Silva na corrida para Belém

Cavaco Silva, Mário Soares e Manuel Alegre foram os principais candidatos nas presidenciais de 2006, com o primeiro a dramatizar a importância das eleições para o futuro do país e os dois socialistas a disputarem o mesmo espaço.

Francisco Louçã também se apresentou na corrida eleitoral com a pretensão de capitalizar o descontentamento à esquerda pela existência de duas candidaturas na área do PS e de mobilizar os abstencionistas.

As presidenciais de 2006 contaram ainda com dois candidatos repetentes: Jerónimo de Sousa, apoiado pelo PCP, que entrara na corrida eleitoral dez anos antes, vindo a desistir a favor de Jorge Sampaio, e Garcia Pereira, do PCTP/MRPP, que já tinha concorrido nas eleições de 2001.

Durante a campanha, Cavaco Silva, apoiado pelo PSD e pelo CDS-PP, dramatizou a escolha do Chefe de Estado, sublinhando que as eleições iriam condicionar o futuro do país "nos próximos 10, 15 ou mais anos".

"É uma escolha muito diferente da que teve lugar em outras eleições presidenciais", sublinhou o antigo primeiro-ministro do PSD, logo no arranque da campanha, prometendo ser uma voz dos que "não têm voz".

Mário Soares, que esteve no Palácio de Belém entre 1986 e 1996, período que coincidiu com as funções de Cavaco Silva como primeiro-ministro, surgiu de novo como candidato nestas eleições, aos 81 anos, apoiado pelo PS e tendo a seu lado por várias vezes durante a campanha o primeiro-ministro de então, José Sócrates.

Soares apontou como adversário Cavaco Silva, que disse estar há dez anos a `mastigar` a derrota com Jorge Sampaio.

Mas, na etapa final da campanha, Soares, que começara por ligar o "cavaquismo" a "interesses ilegítimos", passou a omitir o seu principal adversário e deixou as críticas para os membros do governo que surgiram a seu lado.

O candidato socialista concentrou-se então no combate à abstenção considerando-a o principal inimigo.

Também da área socialista, Manuel Alegre, apresentou-se na campanha sem apoios partidários e prometeu combater os interesses instalados pelos "donos da política".

Ao longo da campanha passou por locais que disse serem as suas referências e memórias, como o Forte de Peniche, homenageou os presos políticos e declarou que a sua candidatura era "um novo 25 de Abril".

Jerónimo de Sousa foi endurecendo o tom das críticas a Cavaco Silva ao longo da campanha e lembrou o passado do ex-primeiro-ministro, apontando a "deriva autoritária" e a possibilidade de vir a ser um presidente "frio e insensível".

Garcia Pereira mostrou-se convicto de que a eleição ficaria decidida sem necessidade de uma segunda volta e distribuiu críticas pelos adversários.

"Todos os candidatos, e à cabeça deles está o dr. Cavaco Silva, têm feito uma campanha onde não exprimem um ponto de vista concreto sobre uma única questão", disse o candidato apoiado pelo PCTP/MRPP.

Marcelo Rebelo de Sousa, ex-líder do PSD, apareceu na campanha de Cavaco Silva pela primeira vez em Viseu, considerou-o o candidato "mais ajustado" para o lugar de Presidente da República e defendeu a sua eleição à primeira volta.

"É o que tem mais sensibilidade para ajudar o governo", salientou, em declarações aos jornalistas.

Nas eleições disputadas a 22 de janeiro, Cavaco Silva foi eleito logo na primeira volta, ao alcançar 50,54%, Manuel Alegre surpreendeu em segundo lugar com 20,74% e Mário Soares surgiu apenas na terceira posição com 14,31%.

Jerónimo de Sousa foi o quarto mais votado com 8,64%, Francisco Louçã ficou com 5,32% dos votos e Garcia Pereira ficou com 0,44%.

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2011: Campanha tropeça na crise e no caso BPN

O caso BPN e os sinais crescentes de crise estiveram patentes na campanha para as presidenciais de janeiro de 2011, com Cavaco Silva a recandidatar-se, tendo como principal adversário o socialista Manuel Alegre.

Os independentes Fernando Nobre e Defensor Moura, o comunista Francisco Lopes e o deputado regional madeirense José Manuel Coelho do Partido Nova Democracia também se apresentaram como candidatos nestas eleições.

Defensor Moura lançou o tema BPN num debate televisivo com Cavaco Silva, candidato apoiado por PSD e CDS-PP.

Durante a campanha, o candidato independente e deputado socialista voltou a exigir explicações sobre as "trapalhadas" do presidente cessante e o universo BPN.

O Banco Português de Negócios (BPN), um banco privado criado em 1993, viria a dar origem a um escândalo mais de uma década depois, com o envolvimento de figuras ligadas ao `cavaquismo`. Devido à falta de liquidez, o banco acabou por ser nacionalizado, com custos para os contribuintes.

"O Presidente da República, como mais alto magistrado da Nação, tem obrigação de demonstrar que não tolera qualquer espécie de corrupção ou clientelismo", considerou o candidato independente.

Na campanha de Manuel Alegre, apoiado pelo PS e pelo Bloco de Esquerda, as referências a este caso vieram sobretudo do BE.

Em campanha no distrito de Braga, Cavaco Silva acusou os adversários de "vil baixeza", dizendo que foi montada contra si uma "campanha de calúnias, de mentiras, de insinuações".

"Cavaco Silva olha para nós como um aristocrata ofendido com o atrevimento da populaça e diz-nos que a crítica é vil baixeza. Mas, dr. Cavaco Silva, vil baixeza foi a fraude financeira que agora está a arruinar o país da quadrilha do BPN, dos seus ex-ministros, daqueles ex-ministros cheios de cumplicidades, que protegeram os seus, distribuindo o saque contra o nosso país, contra a nossa economia e contra o nosso povo", atacou o líder do BE, Francisco Louçã, num comício da candidatura de Alegre.

A crise foi outro assunto em destaque ao longo do período eleitoral. Alegre chegou a sugerir a Cavaco Silva para interromper a campanha para "fazer diligências junto de chefes de Estado e de entidades da União Europeia" para travar a subida dos juros da dívida, em defesa da "soberania nacional".

Cavaco ignorou o repto alegando que revelava "uma tal ignorância da política externa" que não merecia comentários.

Num dia de campanha marcado pela divulgação dos dados de execução orçamental e pela projeção do Banco de Portugal, que apontava para a entrada do país em recessão em 2011, o candidato presidencial apoiado por PSD e CDS-PP criticou: "parece que há alguns que nem sabem" que o Fundo de Estabilização Europeu apenas entrará em Portugal "a pedido expresso do próprio Governo".

"Se o Governo não pedir, ele nunca entrará em Portugal. Por isso eu tenho repetido e reafirmo que não se deve especular porque prejudica o país em relação às hipóteses, são apenas hipóteses, de Portugal ter que recorrer a instituições internacionais para conseguir refinanciar-se", disse Cavaco Silva.

Na reta final da campanha, Cavaco Silva também afirmou que uma segunda volta das presidenciais teria custos "desde logo pela via da contenção do crédito e pela subida das taxas de juro".

No Algarve, em frente à casa de férias de Cavaco Silva, José Manuel Coelho pediu aos eleitores para afastarem "os que enganam o povo".

A 23 de janeiro de 2011, Cavaco Silva foi reeleito com 52,95% dos votos, Alegre alcançou 19,76%, Fernando Nobre 14%, Francisco Lopes 7,14%, José Manuel Coelho 4,5% e Defensor Moura 1,5%.

 

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