Debate RTP. Cotrim de Figueiredo e Gouveia e Melo assumem-se como independentes

Foi a primeira questão a causar uma pequena discussão entre os dois candidatos à Presidência da República e ajudou a defini-los, Gouveia e Melo acredita que Cotrim de Figueiredo não pode ser independente, o antigo líder do Partido Liberal discorda.

Graça Andrade Ramos, Paulo Alexandre Amaral - RTP /
Foto: Pedro A. Pina - RTP

Cotrim de Figueiredo garantiu que "ao longo de toda a minha vida profissional e política não pode encontrar um único caso em que eu tenha sido influenciado por pressões".

"A independência não se proclama, observa-se, pratica-se", acrescentou com firmeza. insistindo que a sua capacidade de "resistir a interesses e influências é patente".

Desafiou então Gouveia e Melo a dizer-lhe nos olhos "se acha que sou um cavalo de tróia" de interesses.

O Almirante sublinhou que a sua candidatura é a única verdadeiramente independente entre as diversas desta eleição, porque, explicou, "tenho uma candidatura supra partidária não estou limitado ao espetro político, no encontro de soluções que o presidente deve ajudar a encontrar".

"A minha candidatura é aquela que poderá responder aos portugueses em termos de segurança, estabilidade e desenvolvimento", prometeu em tom de campanha.

Para Gouveia e Melo esta independêndia de ideias e de ideologia cria "mais exigência", considerando que um candidato de uma área partidária "tem um conjunto de ligações que o condicionam em termos ideológicos".

"Não me parece que seja bom para a democracia", considerou, "parece que estamos numas eleições legislativas". "Um candidato presidencial deve ser mais aberto".

Palavras de imediato contestadas pelo adversário, lembrando que até agora, "todos os outros presidentes foram oriundos de partidos".

"Não me vai dizer que é cadastro ter passado partidários", barafustou Cotrim de Figueiredo, referindo os apoios de vários quadrantes que lhe expressaram apoio.

"Alguém que se queira candidatar à presidência vai ter de pensar muito bem e nunca militar em nenhum partido porque se não nunca vai ser indepndente?", questionou ainda. "Isso não faz sentido absolutamente nenhum".

Cotrim de Figueiredo lembrou ainda a Gouveia e Melo os apoios que tem na área do PSD e outras pessoas que foram "responsáveis pela máquina de propaganda de José Sócrates".

O Almirante insistiu no argumento e respondeu ao repto inicial. "Dizendo na sua cara, o senhor não vai conseguir ser independente porque vai levar conceitos ideológicos para a presidencia da República", defendeu.

"A presidência da República é um serviço à nação, que exige o máximo rigor, a máxima responsabilidade e o máximo distanciamento também", acrescentou, voltando ao tom de campanha.

Já os anteriores presidentes quando se candidataram, considerou, eram "muito superiores ao seu espaço partidário".

"Eu sou superior ao meu espaço partidário", respondeu de imediato Cotrim de Figueiredo, questionando "vai dizer, este senhor não vai ser independente, baseado em quê? Numa profecia?"

"A independência pratica-se", insistiu ainda., prometendo que "o meu passado de defensor de determinadas opções ideológicas tem de ficar à porta de Belém no dia em que tomar posse".
A revisão constitucional

O desafio passou então para a revisão constitucional, com Gouveia e Melo a lembrar, que, nessa área, Cotrim de Figueiredo poderá ser uma influência devido a propostas anteriores. "Quer ter um poder absoluto de veto e quer mudar a Constituição", afirmou.

O adversário esclareceu depois que propôs uma "revisão constitucional cirurgica, sugerindo a discussão dos vetos". "Gosto de debater", justificou, criticando que um presidente que tenha de "carimbar um diploma com o qual já mostrou desacordo".

"Acho interessante discutir", mas, "não tenho conclusões", frisou.

Cotrim de Figueiredo fez então questão de sublinhar, "aceito as regras que estão em vigor". "Aceito a constituição", prometeu, "como o meu guia principal, a qual jurarei cumprir e fazer cumprir no dia em que tomar posse".

Já Gouveia e Melo voltou a destacar que "tenho a capacidade de ajudar a manter a garantir essa estabilidade", por "vir de fora do sistema", algo que "ajuda a motivar os portugueses para uma mudança e para uma alteração".

"Isso é o que motiva e porque estou aqui", afirmou. "O sistema presidencialista é mais do que suficiente", considerou ainda lembrando que "há 202 anos foi a última vez que esteve na Constituição o poder de veto absoluto", que era do monarca, "isso seria um retrocesso", referiu.
"Só uso avental na cozinha". "Eu nem na cozinha"
A suspeita da maçonaria apoiar Gouveia e Melo foi também abordada, originando um momento caricato e cordato no debate.

O Almirante voltou a garantir, "eu não sou maçon".

"A maçonaria está espalhada por toda a sociedade portuguesa", acrescentou. "Não há ninguém que possa dizer que não há aqui um maçon nesta sala".

"Eu também não sou, uso avental mas na cozinha", ripostou Cotrim de Figueiredo. "Eu nem na cozinha", esclareceu Gouveia e Melo.

Cotrim de Figueiredo esclareceu depois as dúvidas que lhe surgiram depois de, no início do ano, "um grupo de maçons quis apoiar Gouveia e Melo". 

"Evidentemente que um candidato não é responsável por aqueles que o querem apoiar", apressou-se a acrescentar, reconhecendo que o adversário se tentou demarcar desse grupo.

O candidato da área liberal referiu estar curioso para perceber que interesse poderia ter a maçonaria na candidatura do rival, "não conheço o seu funcionamento e esse é um dos problemas", afirmou. "Não é uma suspeição".

Cotrim de Figueiredo considerou depois, sobre o papel presidencial, que a magistratura de influência tem de ser mais do que "jogos de batidores", propondo-se vir a ser um presdiente inspirador para os portugueses, para o que "ainda não foi feito".
Operação Influencer. Justiça "tem de dar explicações"

Durante o debate, soube-se que o DCIAP omitiu escutas que envolviam o antigo primeiro-ministro, António Costa, durante cinco anos, no âmbito da operação Influencer. Mais de duas dezenas de escutas, com o ex-primeiro-ministro como interlocutor, entre 2020 e 2022, foram apresentadas ao Supremo Tribunal de Justiça para validação apenas em outubro.


Vítor Gonçalves, da RTP, que moderou o debate, quis a opinão dos dois candidatos sobre esta questão.

Gouveia e Melo frisou a escassez de dados para emitir uma opinião muito fundamentada. "Se isso é verdade é muito grave" reagiu. 

"Todos os atores, políticos e não políticos, devem respeitar a lei", defendeu, agastado pelas escutas ao longo de cinco anos. 

"O primeiro-ministro tem segredo de Estado, trasmite segredos de Estado e fala sobre coisas que não podem ser escutadas, a não ser que haja autorização do Supremo Tribunal de Justiça", lembrou.

"Claro que a Justiça tem de dar uma explicação", acrescentou.

Cotrim de Figueiredo disse estar "100 por cento de acordo". "Isto é muito grave, desde logo porque há um incumprimento da lei, e por parte do Departamente de Investigação e Ação Penal! Não é um departamento qualquer".

Um "desrespeito pelos poderes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Central de Investigação Criminal e sim, põe em causa, mais uma vez aquilo que o Ministério Público faz, como o faz e quando o faz", indignou-se, lembrando as buscas esta semana na TAP, que coincidiram com o fim do prazo da manifestação de interesse na compra da companhia aérea portuguesa.

"Houve buscas no dia em que estava a ser assinado o contrato de venda do Novo Banco aos franceses da BPCE", há 15 dias, lemnbrou também.

"Eu posso acreditar numa coincidência, posso acreditar em duas", admitiu. Mas, neste momento, defendeu, "o Ministério Público tem de dar uma explicação e rapidamente". 

"Estamos a falar da mais grave das omissões", afirmou, admitindo que possa ter existido outro tipo de vigilância ao primeiro-ministro, "em conversas com outros que acabaram por ser arguidos na operação Influencer, durante anos!".

"A Justiça em Portugal não pode estar acima da crítica e não pode estar acima do escrutínio", concluiu Cotrim de Figueiredo.
TAP pública e TAP privada
Gouveia e Melo considera que, em relação à TAP e à questão se deve ser pública ou privada, "tem de haver uma companhia que garanta os interesses dos portugueses", o que não implica, "necessariamente", que funcione na estrutura do Estado.

Na opinião de Gouveia e Melo, importa "uma formulação que permita não só o hub aéreo português em Lisboa, a ligação à diáspora e uma capacidade estratégica de transporte".

Cotrim de Figueiredo lembrou, neste momento, que "há dezenas de países mais desenvolvidos do que Portugal sem companhias de bandeira e que defendem os seus interesses muito bem".

Disse acreditar que qualquer acionista que ofereça dinheiro pela TAP e se veja condicionado a manter o hub em Lisboa exigirá "um preço por isso, porque isso vai limitar-lhe as opções estratégicas".

"O Estado ter companhias de aviação não faz qualquer espécie de sentido excepto no que se possa considerar serviço público, que são rotas não rentáveis de ligação às regiões autónomas, por exemplo, ou partes da diáspora", concluiu o antigo presidente dos liberais, para acrescentar que "aí contrata-se com qualquer empresa".

O almirante na reserva respondeu a esta ideia de João Cotrim de Figueiredo de forma sintética: "O mercado não resolve todos os problemas". 

Acrescentou após que há que ter o cuidado estratégico de evitar que a TAP seja adquirida para ser "desmembrada" e favorecer dessa forma um concorrente: "Nem tudo é rentabilidade".

Face à argumentação de Cotrim de Figueiredo de que em situações extremas como foi a da pandemia o Estado deve estender a mão às empresas "que antes contribuíram", o almirante riu-se: "Isso é uma posição super cómoda, não é? Quando o mercado pode funcionar é o mercado, quando não pode funcionar o Estado tem de estar lá para suportar o mercado".
Sobre a greve geral 
Cotrim de Figueiredo acredita ser ainda possível resolver a crise negocial que levou à marcação de uma greve geral para dezembro.

Sobre o pacote laboral que está em discussão, com algumas excepções, o candidato que foi líder dos liberais diz que se fosse presidente promulgaria esta legislação por acreditar que no futuro a economia funcionará de forma diferente e seria assim promovida a flexibilidade e essas normas permitirão às empresas crescerem e vir a pagar melhores salários.

Gouveia e Melo diz que há necessidade de flexibilizar, mas há que ter em atenção o núcleo dos direitos dos trabalhadores: "Há necessidade de flexibilizar (...) mas é preciso cuidado para não atacar o núcleo muito especial dos direitos dos trabalhadores. A economia são as pessoas e uma economia sem coesão é uma má economia".

"O Estado, com as receitas que arrecada, tem de garantir a coesão através da saúde, da educação, dos elevadores sociais. porque nós temos uma sociedade muito desigual. Vinte por cento das nossa sociedade está no limiar da pobreza", argumentou o ex-chefe da marinha.

Neste contexto, lembrou ainda que as mulheres continuam a ganhar menos do que os homens.
Fidelidade à NATO
Em resposta á questão sobre o que faria se a Aliança Atlântica exigisse que militares portugueses fossem enviados para combater na Ucrânia, Cotrim de Figueiredo disse que "devemos respeitar os compromissos que temos com a NATO". 

Sobre as palavras de um ministro francês, que disse que "devemos estar preparados para aceitar a perda dos nossos filhos", insistiu que essa é uma situação que "faz parte dos nossos compromissos com a NATO".

O almirante Gouveia e Melo acredita que Portugal, tendo compromissos, deve aproveitar a sua posição e "não tem de ir para Leste, há lá outros países que fazem esse trabalho".

Portugal tem "o Atlântico, que não é assim tão inócuo", afirmou o militar na reserva.

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