Dois pedidos de demissão sobre a mesa de Rui Pereira

A abstenção forçada nas presidenciais de domingo está prestes a fazer as primeiras baixas. O ministro Rui Pereira, cuja cabeça foi pedida no Parlamento após este episódio, ainda não decidiu se aceita o pedido de demissão dos diretores-gerais da Administração Interna, Paulo Machado, e da Administração Eleitoral, Jorge Miguéis. O MAI espera os resultados de um inquérito, mas o CDS já tem uma solução: a sua própria saída.

Paulo Alexandre Amaral e Carlos Santos Neves, RTP /

É o próprio Ministério da Administração Interna a admitir que estas demissões estão relacionadas com os problemas ocorridos com os cartões de cidadão nas eleições de domingo. Deficiências nos serviços eletrónicos que terão impedido milhares de portugueses de exercerem o seu direito de voto. Paulo Machado e Jorge Miguéis "apresentaram o pedido de demissão na sequência dos factos ocorridos no ato eleitoral de 23 de janeiro", admitiu o gabinete de Rui Pereira numa curta declaração à agência Lusa.

Confrontado com os pedidos, o governante prefere esperar pela "conclusão do inquérito sobre os referidos factos", momento em que tomará uma decisão relativamente aos dois responsáveis.

A decisão de Paulo Machado foi antecedida de uma audição do diretor-geral na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, ocasião em que avançou com uma explicação técnica para os problemas de domingo, apontando para uma "sobrecarga de afluxos" aos sistemas de informação.

"Afluxo anormal"
Na tarde de domingo, as filas extensas de eleitores munidos de cartões de cidadão, sem conhecimento dos novos números de recenseamento, repetiram-se em todo o país. Muitos não puderam votar. A confusão agravou-se com o colapso dos serviços eletrónicos da Direção-Geral da Administração Interna, que se revelaram incapazes de dar resposta à quantidade de solicitações. Ao início da noite, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) revelava ter recebido um “elevado número” de pedidos de intervenção, reconhecendo que não estava em condições de “aferir a verdadeira dimensão do problema”.

Sem poderes de administração da base de dados de recenseamento eleitoral, a CNE foi remetendo os eleitores para o serviço de mensagem móvel (SMS 3838), para o Portal do Eleitor ou para o número de telefone 808206206, a cargo da Direção-Geral da Administração Interna. “Constatou-se, ainda, que estes canais de informação responderam com uma dilação de tempo significativa, pelo que não foi possível a um número indeterminado de cidadãos aceder à informação necessária em tempo útil”, sublinhava no domingo uma nota da Comissão Nacional de Eleições.

O Ministério da Administração Interna justificou-se com o “afluxo anormal” aos serviços, alegando que “realizou diversas iniciativas e campanhas públicas no sentido de alertar os novos eleitores e aqueles que mudaram de residência para obterem previamente a informação relativa ao número de eleitor e respetivo local de voto”. A tutela anunciou ainda a abertura de um inquérito destinado a “apurar com rigor e em pormenor tudo quanto se passou e para evitar que se repita no futuro”. Porém, entre os partidos da Oposição parlamentar, cedo ganhou força a exigência de explicações por parte de Rui Pereira. Posições que tomaram também por base os dados da abstenção, que atingiu a marca histórica de 53,37 por cento.

Universidade do Minho conduz inquérito
Entretanto, o Governo confiou à Universidade do Minho a realização de um inquérito sobre as dificuldades experimentadas pelos eleitores. A opção por aquela instituição académica foi ontem anunciada na Assembleia da República pelo ministro da Administração Interna. Debaixo das críticas da Oposição, que exigiu "responsabilidades políticas", Rui Pereira pediu desculpa e assumiu o objetivo de “impedir que se repita” um “fenómeno” cuja “dimensão” continua por quantificar.

“Apurar de forma exaustiva” as “causas de tudo o que se passou” no domingo é a tarefa que o Ministério da Administração Interna entregou ao departamento de sistemas de informação da Universidade do Minho.

“Na realidade, independentemente da dimensão do fenómeno, é algo que nos penaliza, que nós consideramos extremamente grave e por isso, na primeira oportunidade de me dirigir publicamente aos eleitores, quero aqui pedir desculpa pelo sucedido como responsável máximo pela administração eleitoral”, afirmou o ministro da tutela perante os deputados da comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais.

A missão confiada à Universidade do Minho, adiantou ainda Rui Pereira, vai estender-se às próximas eleições, de forma a “garantir que nada disto se repete”: “Quero deixar aqui claro que a principal preocupação é compreender tudo quanto se passou, mas fazê-lo com o interesse de impedir que se repita. E por isso o contacto com a Universidade implica uma primeira análise ao que se passou, depois auditoria ao sistema e o acompanhamento do próximo processo eleitoral para garantir que nada disto se repete”.

“O melhor é o ministro sair”
“Responsabilidades políticas”. É esta a consequência que os partidos à direita dos socialistas consideram ser inevitável depois dos acontecimentos de domingo. Durante a audição de Rui Pereira, o deputado do CDS-PP Nuno Magalhães sugeriu mesmo o afastamento do ministro da Administração Interna, caso as dúvidas suscitadas pelo partido de Paulo Portas ficassem por esclarecer. Se assim fosse, atirava então o parlamentar democrata-cristão, “o melhor” seria “o ministro sair”.

Na ótica do CDS-PP, o aumento do número de eleitores detentores de cartão de cidadão, de um milhão em 2009 para 4,4 milhões em 2011, impunha o envio de cartas a “pormenorizar o local da votação”. Por outro lado, reforçou Nuno Magalhães, o valor dos contratos celebrados com as operadoras telefónicas “foi o mesmo” que se registou em 2009, embora estivesse previsto um aumento da utilização do serviço de mensagens. “Os serviços avisaram ou não para a necessidade de reforço destas verbas? O valor foi ou não o mesmo? Se não tiver resposta para estas questões, então é melhor assumir responsabilidades e sair”, afirmou o deputado.

Na resposta à intervenção de Nuno Magalhães, o ministro da Administração Interna prometeu fazer uma avaliação política das conclusões do inquérito a efetuar pela Universidade do Minho: “Eu distingo os planos. Eu quero que uma entidade independente, qualificada, cientificamente capacitada que me diga em pormenor, com rigor e em profundidade o que se passou e é evidente que, depois, esse relatório será avaliado politicamente e não deixarei de o fazer”.

Por seu turno, o líder parlamentar do PSD condenou o que considerou ser a “incompetência deplorável” patenteada pelo Governo no dia da votação para as eleições presidenciais. Sem ir ao ponto de exigir a demissão de Rui Pereira, Miguel Macedo quis “registar o facto de que, em qualquer país civilizado”, deficiências como aquelas que se verificaram no domingo ditariam o afastamento de responsáveis. Quem também sugeriu a demissão do governante foi o secretário-geral do PSD, Miguel Relvas: "Esperava, como cidadão, que o senhor ministro já tivesse apresentado a demissão. Como agente político, esperava que o Governo já tivesse tomado uma decisão e que o primeiro-ministro já tivesse tomado a única decisão possível, numa circunstância como esta no apuramento de responsabilidades".

“Soluções para o futuro”
O Bloco de Esquerda entregou na segunda-feira um requerimento para a marcação de uma “audição especial” do ministro da Administração Interna, a somar à “audição ordinária”. Em declarações à Antena 1, a deputada Helena Pinto defendia anteontem a necessidade de garantir que o Parlamento tivesse acesso a todos os dados para “ponderar, eventualmente, soluções para o futuro”: “O Bloco de Esquerda fez questão de entregar o requerimento para a realização de uma nova audição com o ministro onde seja possível esclarecer cabalmente aquilo que se passou junto das secções de voto. Pensamos que isso deve ser o mais rápido possível, na medida em que também existam todos os dados sobre esta matéria”.

Ao início da tarde de domingo, o diretor-geral da Administração Interna recusava que o colapso do Portal do Eleitor e do serviço de SMS fosse um fator de aumento da abstenção. “Este problema só se verificou a partir da uma da tarde e, ao meio-dia, nós já tínhamos uma afluência menor do que a que tínhamos tido em 2006 e não havia nenhum problema”, sustentava então Paulo Machado.

Mais tarde, à medida que o escrutínio se desenrolava, o líder parlamentar comunista manifestava uma opinião contrária. O PCP, lembrava Bernardino Soares, alertara “o Governo sobre este problema” na sequência do último ato eleitoral e “o Governo garantiu que estava tudo bem”. “Isto não pode continuar, porque o exercício do direito de voto tem de estar totalmente garantido a todas as pessoas que o queiram exercer”, assinalou o deputado.

"Uma tromba de água"
Igualmente ouvido na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Paulo Machado ensaiou uma explicação técnica para os acontecimentos do dia 23 de janeiro, argumentando que se verificou uma "sobrecarga de afluxos" aos sistemas de informação cerca das 13h20. "Há um disparo que fez esta concentração. Não sendo informático, trabalhei muitos anos com hidráulicos que têm para isto um nome, fator de carga. O que é que aconteceu? Nós estávamos preparados para ter uma chuva intensa e tivemos uma tromba dágua", alegou, para logo ressalvar que não estava a imputar "responsabilidades a ninguém".

Após as explicações do diretor-geral da Administração Interna, Rui Pereira pedia "um pouco de paciência", adiantando que o inquérito da Universidade do Minho iria decorrer durante duas semanas: "Apesar de o senhor diretor-geral compreensivelmente querer dar estas explicações técnicas, eu queria pedir aos deputados um pouco de paciência, que não será muita. Não queria estar a ter um tratamento avulso destas matérias".

Conhecidos os resultados do inquérito, o ministro da Administração Interna tornará a ser ouvido na Assembleia da República, nos termos dos requerimentos entretanto aprovados em sede de comissão.

Queixas à CNE
Enquanto o ministro da Administração Interna pedia desculpa no Parlamento, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) revelava ter recebido duas centenas de queixas por escrito de eleitores que não conseguiram depositar os seus sufrágios nas urnas. Ouvido pela rádio pública, João Almeida, membro da Comissão, exortou os cidadãos a reclamarem, ainda que esse gesto não acarrete reflexos práticos: “É evidente que a ação não terá consequência direta, nem a pessoa poderá ir votar depois disto, até porque as eleições acabaram, nem vai criminalizar ninguém. Não houve, de facto, nenhum comportamento, que se saiba, doloso, intencional, com a intenção de fazer mal para impedir que as pessoas votassem. E é isso que é crime”.

À semelhança do que aconteceu ao longo da jornada eleitoral, a CNE voltou a descartar responsabilidades nos problemas com os números de recenseamento, remetendo para a Administração Interna o dever de “acautelar devidamente” a informação a prestar aos eleitores. Em conferência de imprensa, o presidente da Comissão Nacional de Eleições, Fernando Costa Soares, considerou ontem “lamentáveis” as dificuldades criadas pelas falhas nos sistemas e afirmou ser “imperioso esclarecer sucintamente os cidadãos”, tendo em conta os “ecos de notícias e opiniões com reflexos negativos na imagem pública” daquele organismo.

A esfera de competências da CNE, explicou o juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, não abarca “a execução ou a direção das atividades administrativas e materiais inerentes à execução prática do processo eleitoral e ao recenseamento, incluindo a administração da base de dados do recenseamento eleitoral”. Tão-pouco o “tratamento dos elementos relativos àquela base de dados e à sua conexão com a do cartão de cidadão”, ou “muitos outros atos do processo eleitoral, entre os quais a determinação da composição das mesas”.

“No próximo ato eleitoral, a situação deve ser devidamente acautelada, de forma a que nenhum cidadão fique, desse ou de qualquer modo, privado do direito de voto, direito fundamental e inalienável que lhe é conferido pela Constituição da República Portuguesa”, advertiu Fernando Costa Soares.
Tópicos
PUB