Críticas à Justiça e divergências na lei laboral marcam debate entre Seguro e Marques Mendes

O tema que abriu o debate na RTP entre os candidatos presidenciais António José Seguro e Luís Marques Mendes foram as mais de 50 escutas telefónicas de que António Costa foi alvo no âmbito da Operação Influencer. O candidato socialista fala numa situação grave que exige respostas e o adversário diz que a Justiça está doente, pedindo uma investigação à fuga de informação que devia ser confidencial. Apesar das muitas convergências, os candidatos afastaram-se na reforma da legislação laboral e no equilíbrio do sistema político.

Inês Moreira Santos - RTP /
Foto: Pedro Pina- RTP

No dia em que é revelado que António Costa foi alvo de mais de 50 escutas, no âmbito da Operação Influencer, António José Seguro mostrou-se “preocupadíssimo” com esta situação que considera “grave”.

“Estou preocupadíssimo com o que li hoje e com o que se passou há dois anos”, começou o antigo secretário-geral do PS, recordando que, em 2023, a procuradora-geral da República comunicou que “o primeiro-ministro de Portugal estava a ser investigado e passado dois anos não há absolutamente nenhum facto que prove” essa investigação.

E, segundo Seguro, “dois anos num caso destes é uma situação muito grave”, principalmente porque o que se vai sabendo, nos últimos tempos, é através de escutas “que não têm a ver com aquele processo”.

“Não percebo como é que estão num processo de investigação. Não compreendo”, assumiu ainda. “Nós estamos a falar de um cidadão que é presidente do Conselho Europeu, que era primeiro-ministro na altura. O país perdeu um Governo, o país foi a votos (…) e passou a ter uma situação de instabilidade política(…). E ninguém responde? Ninguém é responsável?”.
"Justiça está doente" e precisa de reforma
Luís Marques Mendes que, sobre as escutas, anteriormente tinha referido que a “lei tinha sido cumprida”, afirmou que “é preciso, rapidamente (…), dar um pontapé de saída para um Pacto na Justiça”. E, à semelhança do adversário, também assinalou a gravidade na situação que envolve António Costa.

“Isto confirma que a Justiça está doente”, disse Marques Mendes, aassinalando ainda a “violação do segredo de Justiça”.

“É gravíssimo”, salientou, e “não se resolve como o Ministério Público pretende com uma participação-crime contra a revista Sábado e os seus jornalistas”, uma vez que “os jornalistas não assaltaram o Ministério Público, alguém lhes passou a informação”. Por isso, Marques Mendes considera que quem devia ser investigado é quem terá passado essas informações.

Houve ainda um segundo ponto em que Marques Mendes concordou com António José Seguro: “É inqualificável” que o caso Operação Influencer ainda não esteja encerrado. Isto é: “ou arquivada – se não houver provas – ou então com acusação”.

O Ministério Público, reforçou o antigo líder social democrata, “não pode ter uma investigação até a eternidade”. Além de que, considerou, “é lamentável” durar mais de dois anos.

Marques Mendes apresentou ainda um outro ponto que considera importante neste caso: “Ninguém até hoje deu uma justificação cabal e definitiva” sobre os 75 mil euros que apareceram, na mesma altura das investigações a António Costa, no gabinete do seu chefe de gabinete.

“Tudo isto mostra que as coisas estão, de facto, mal”,
concluiu, sublinhando que para além de respostas é necessário um entendimento da “classe política” para fazer as reformas necessárias “para pôr a Justiça a funcionar melhor”.

A intervir ainda sobre o mesmo tema, António José Seguro concordou que “as respostas devem ser dadas já” e que não se pode esperar pelas eleições presidenciais.

“Isto é uma questão de credibilidade, de respeito”, adiantou o socialista.

Embora os dois candidatos estejam de acordo quanto às falhas da Justiça e faltas de resposta neste caso, Marques Mendes quis delinear as diferenças relativamente ao adversário e afirmou que “a Justiça tem de ser reformada” e que tal começa “num entendimento de caráter interpartidário”.

“Acho que precisamos de pedir explicações, mas precisamos, acima de tudo, de unir os partidos, definir quais são as prioridades (…), porque não podemos ficar por generalidades”.

Seguro, por seu lado, recordou que Marques Mendes é membro do Conselho de Estado e que, por isso, “podia ter aconselhado os presidentes da República a agir e a fazer esse pacto na Justiça”. Se for eleito, garante o antigo líder do PS que começa com “uma reforma na área administrativa e na área fiscal”.

“Temos vários problemas com a Justiça. Uns têm mais visibilidade pública, mas outros têm consequências na vida das pessoas e na vida das empresas”, referiu. “Uma das limitações hoje a uma melhor economia, a uma economia mais competitiva, é a lentidão com que os tribunais administrativos e os tribunais fiscais funcionam”.

No combate à corrupção existiu concordância entre os dois candidatos. Marques Mendes considera que é “preciso reforçar os meios” e Seguro quer que a lei seja aplicada a todos, “seja primeiro-ministro, seja um cidadão normal”.
Divergências socialistas e social-democratas

Se Marques Mendes for eleito e ficar mais poder no espaço político mais à direita, António José Seguro considera que não havendo perigo “há um desequilíbrio político”.

“Neste momento, há um desequilíbrio completo da direita, que tem a maioria das juntas de freguesia, das câmaras municipais, do Governo Regional da Madeira, do Governo Regional dos Açores, a maioria do Parlamento. Portanto, há um desequilíbrio do sistema e o país tem a ganhar se o sistema político estiver equilibrado”, argumentou.

Por isso, António José Seguro considerou que, “nestas eleições, o país tem a ganhar com o equilíbrio do sistema e tendo no meu caso concreto como presidente da República”. A questão, explicou ainda, não é a independência enquanto candidato, mas a sensibilidade mais social.
“O país precisa de ter alguém que equilibre e que, sobretudo, faça com que grande parte dos portugueses se sinta representado com o presidente da República”, rematou o candidato socialista.

Em resposta, Luís Marques Mendes disse já ter dado “provas” da sua independência e recordou que, quando António Guterres foi primeiro-ministro e Jorge Sampaio presidente da República, já estavam “os ovos todos no mesmo cesto, ou seja, dois socialistas no topo do Estado”. E recordou que o adversário em debate fez parte desse mesmo Governo de Guterres e “nunca se queixou de haver essa concentração de poder” porque “é uma situação normal e natural”.

O importante, na ótica do social-democrata, “é saber se quem exerce a Presidência é capaz de ser isento, imparcial, equidistante e independente”. 

Marques Mendes considera que “há convergências” com Seguro. Mas também uma diferença: “António José Seguro privilegia mais as proclamações de caráter genérico. (…) Eu quero ser bastante mais ativo e interventivo. Isto não é crítica nenhuma, cada um tem o feitio que tem”.

O antigo presidente do PSD admitiu que quer “avançar no domínio social” e, na sua opinião, o chefe de Estado português “tem de ser alguém com uma fortíssima sensibilidade social”.

Apesar das divergências, há muitos pontos de convergência entre os dois candidatos, incluindo na eventualidade de o Chega ganhar umas Legislativas.

“Se o Chega ganhar as eleições, foi a decisão dos eleitores, a Constituição manda que seja indigitado o líder do Chega”, referiu Marques Mendes, acrescentando que a diferença relativamente à posição de Seguro é “o ser mais proactivo ou menos proactivo”.

Segundo Marques Mendes, muitas das proposta que o Chega apresenta são inconstitucionais. Nesse sentido, só o indigitaria enquanto primeiro-ministro com a garantia de que o “seu programa fosse limpo nessa parte das inconstitucionalidades”.

Já Seguro diz que “não há governos contra a Constituição”.
Divergências na Lei Laboral
Matéria em relação à qual os dois candidatos mostraram divergências foi a reforma da legislação laboral.

Marques Mendes disse não perceber "a tendência" que Seguro já tinha manifestado em não aceitar este decreto caso esta chegasse a Belém nos exatos termos em que está neste momento.

"Um presidente da República só se pronuncia sobre se veta, promulga ou envia ao Tribunal Constitucional quando lhe chega o texto definitivo da lei. Tenho suficiente experiência para saber que o documento que existe neste momento não será nada, nada, nada parecido com o documento final", disse Marques Mendes.

Seguro, por sua vez, questionou a pertinência desta reforma, considerando que se ela fosse assim importante, durante a campanha o PSD devia tê-la apresentado "com clareza e transparência" aos portugueses, coisa que - disse - "não fez", acrescentando que "compete ao Governo descalçar esta bota porque foi ele que a calçou".

C/Lusa
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