Eutanásia. As diferenças e as semelhanças entre os vários projetos

A Assembleia da República debate e vota esta quinta-feira na generalidade cinco projetos de lei para despenalizar e regular a morte medicamente assistida em Portugal. Os diplomas são apresentados por PAN, BE, PS, PEV e Iniciativa Liberal. As propostas apresentam algumas semelhanças e algumas diferenças.

Em maio de 2018, PAN, BE, PS e PEV já tinham apresentado diplomas que defendiam a despenalização da eutanásia. No entanto, foram todos chumbados na generalidade.

Os projetos agora apresentados pouco mudaram em relação aos de 2018. O BE aproxima-se do diploma do PS, reduzindo a composição da composição de avaliação do processo. O PEV reapresenta o texto.

O PAN foi o primeiro a apresentar o seu projeto, ainda em 2017, e colocou o tema no programa eleitoral de 2015 e 2019.

Além do PAN, na campanha para as legislativas de 2019, a eutanásia fazia também parte dos programas eleitorais do Bloco de Esquerda e do Iniciativa Liberal. O PS não colocou a morte medicamente assistida no programa, apesar de ter aprovado uma moção a favor num congresso, em 2016.

Com as eleições legislativas de 2019, as bancadas parlamentares foram reforçadas com deputados que são a favor da eutanásia. Já os partidos que são contra viram o seu número de representantes no Parlamento recuar.

A votação desta quinta-feira vai ser, tal como em 2018, nominal. Ou seja, os deputados levantam-se e votam um a um. A 29 de maio de 2018, a votação prolongou-se por 30 minutos, com cada deputado a ser chamado a dizer “sim” ou “não” aos quatro projetos apresentados.

Como se trata de uma matéria de consciência, não há disciplina de voto na maioria das bancadas, o que pode ajudar a baralhar as contas na hora de decidir sobre os cinco diplomas que vão ser apresentados.

Os diplomas partem das bancadas do PAN (Pessoas-Animais-Natureza), do BE (Bloco de Esquerda), do PS (Partido Socialista), do PEV (Partido Ecologista “Os Verdes”) e da IL (Iniciativa Liberal).
Pontos em comum
Todos defendem a despenalização de quem pratica a morte assistida e a garantia de objeção de consciência para médicos e enfermeiros. No caso do diploma do PS, essa recusa deve ser fundamentada e comunicada ao doente num prazo “não superior a 24 horas”.

Só os maiores de 18 anos podem pedir, através de um médico, a morte medicamente assistida.

Os cinco projetos defendem ainda que a eutanásia não deve ser punida em casos de “pessoa maior” em “situação de sofrimento extremo”, “duradouro ou insuportável”, “sem esperança de cura”, “doença incurável e fatal”, “sem expetável esperança ou melhoria clínica”.

Para solicitar a morte medicamente assistida, a pessoa tem de tomar a decisão de forma “consciente e expressa, manifestando vontade atual, livre, séria e esclarecida”, estar “consciente no momento da sua formalização” ser “capaz de entender o sentido e o alcance do pedido”.

É também necessário confirmar várias vezes essa vontade.

Os vários diplomas estipulam, com algumas diferenças, as condições para um doente pedir a morte medicamente assistida, confirmando, por várias vezes, essa vontade, e mediante pareceres positivos de vários médicos.

O PS e o BE defendem até cinco vezes, o PEV quatro, o PAN “um número razoável de vezes” e o IL “até sete vezes, dependendo se o processo tem ou não a intervenção de um psiquiatra”.

Todos os diplomas preveem que o pedido de morte assistida só pode ser feito pelo próprio doente, através de um médico, salvaguardada a avaliação por comissões técnicas.Os passos a dar

O PS defende que um médico “orientador emite parecer se o doente cumpre todos os requisitos”. Após o parecer do “orientador”, o processo segue para um médico “especialista na patologia que afeta o doente” que “confirma se estão ou não “reunidas as condições”.

No caso de o médico orientador e/ou médico especialista terem “dúvidas sobre a capacidade da pessoa” ou admitirem que esta seja portadora de “perturbação psíquica que afete a sua decisão de tomar decisões”, é “obrigatório o parecer de um especialista em psiquiatria”.

Também o BE defende que o processo passe por um médico “responsável” que deve consultar um especialista na patologia que afeta o doente. E no caso de dúvidas o “parecer” de um médico especialista em psiquiatria”.

Para o PAN, após receber o pedido do doente o médico assistente, além de outros aspetos, “deve elaborar um relatório com os resultados das consultas com o doente”. Esse relatório deve ser enviado a um médico “consultado” que verifica se os requisitos se encontram preenchidos. Após o exame com o médico “consultado”, o “paciente deverá ser observado por um médico psiquiatra”.

Já o PEV propõe a criação de uma Comissão de Verificação, composta por sete pessoas – três médicos, dois enfermeiros e dois juristas – para “avaliar se o pedido do doente cumpre as condições, os critérios e os procedimentos legalmente estabelecidos”.

A proposta da IL prevê o parecer de um médico “responsável” que “presta ao doente toda a informação e esclarecimento sobre a situação clínica”. E no caso de o doente reiterar a vontade de antecipar a sua morte, solicita a um ou vários médicos especialistas, “caso o doente padeça de mais do que uma lesão definitiva ou doença incurável e fatal” um “parecer fundamentado”. No caso de dúvidas do médico “responsável” ou do “especialista”, é “obrigatório o parecer de um médico especialista em psiquiatria”.
Local
Apesar de existirem muitas semelhanças entre os cinco projetos-lei, há também várias discrepâncias. Entre elas o local onde se pode praticar a eutanásia.

Só a proposta do PEV prevê que a morte medicamente assistida apenas possa realizar-se nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde e pelo médico que acompanha o doente.

Os outros diplomas dão liberdade de escolha do médico e do local ao doente, desde que estejam devidamente licenciados e autorizados para a prática de cuidados de saúde e disponham de internamento e local adequado e com acesso reservado.

No entanto, a proposta do PS e da IL preveem a possibilidade de o ato de antecipação da morte ser realizado no domicílio do doente, desde que o médico considere que o local dispõe de condições adequadas em termos de conforto e segurança clínica.

Cabe ao doente escolher quem está presente na hora da morte. Todos os diplomas defendem que para além dos profissionais médicos, “podem estar presentes as pessoas indicadas pelo doente”.

Revogação
Todos os diplomas preveem a possibilidade de, a todo o momento, o doente revogar o pedido de morte assistida, por escrito ou oralmente.

A proposta do PS frisa que no caso de revogação o procedimento clínico em curso é cancelado e a decisão deve ser inscrita no Registo Clínico Especial (RCE) pelo médico “orientador”.

O BE também defende que a revogação deve ser “inscrita no Boletim de Registos pelo médico responsável e deve ser anexada uma cópia ao processo clínico do doente”.

O PAN afirma que, “nesses casos, deve ser incluído no dossier clínico do doente o documento comprovativo da revogação da decisão. E nos casos em que o doente esteja impossibilitado de escrever ou assinar este pode fazer-se representar por uma pessoa por si indicada.

Já o PEV prevê que a revogação do pedido “põe fim imediato ao processo e não permite requerer a sua reabertura, mas não anula a possibilidade de posteriormente poder ser iniciado novo processo com novo pedido.

Em caso de revogação, a IL considera que “põe fim a o processo em curso, devendo a decisão ser inscrita no Dossier Clínico pelo médico responsável”.

No caso de o doente ficar inconsciente, o processo é parado de imediato. No entanto, o projeto do BE prevê que o processo avance se o doente “tiver disposto diversamente em Declaração Antecipada de Vontade constante do respetivo Testamento Vital”.
Necessária luz verde nos pareceres médicos
Todos os partidos defendem que o processo não deve avançar se um dos pareceres médicos for negativo, havendo ainda recurso da decisão para as comissões criadas para avaliar os recursos.


No entanto, cada diploma tem uma solução diferente.

O PAN propõe uma Comissão de Controlo e Avaliação da Aplicação da Lei, que recebe e analisa os processos de morte medicamente assistida, composta por médicos, juristas e uma personalidade da área da ética ou bioética.

Já o diploma do BE sugere uma Comissão de Avaliação dos Processos de Antecipação da Morte, a funcionar no âmbito da Assembleia da República, que também decide sobre os processos e rege-se por um regulamento próprio.

O projeto do PS cria a Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Antecipação da Morte, com juristas, médicos, enfermeiros e um especialista em bioética indicado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que funciona junto do Parlamento.

O diploma do PEV tem soluções distintas, propondo comissões por cada área de Administração Regional de Saúde, que faz a avaliação dos pedidos por região, compostas por médicos, enfermeiros, advogados e um magistrado. As decisões têm que ser tomadas por dois terços e não podem existir abstenções.

Por seu lado, a proposta da IL prevê uma Comissão de Avaliação dos Procedimentos de Antecipação da Morte, composta por dois juristas, um médico, um enfermeiro e um especialista em bioética.

Todos os diplomas propõem que estas comissões façam relatórios regulares sobre a aplicação da lei.
Método
Depois de todos os pareceres favoráveis - e reiterada a vontade do doente - o médico revela os métodos disponíveis para proceder à eutanásia.

O doente é informado sobre as características e os efeitos da substância letal a administrar, bem como a possibilidade de ser o médico a administrá-la ou o próprio doente sob supervisão médica.


O PAN faz uma distinção entre a eutanásia e o suicídio medicamente assistido. Sendo que a escolha cabe ao doente e o suicídio medicamente assistido deve ser praticado sob orientação e supervisão médica.

“A morte assistida pode revestir a forma de eutanásia, quando o fármaco letal é administrado por profissional qualificado (…) ou de suicídio medicamente assistido, quando é o próprio doente a autoadministrar o fármaco letal”, lê-se na proposta do PAN.
Como vai ser o processo se a lei for aprovada?
Se algum projeto-lei for aprovado esta quinta-feira, o processo legislativo pode levar algum tempo. Depois de aprovado na generalidade, o diploma vai descer à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. O PS já anunciou que pretende que uma nova lei esteja concluída antes do verão, em votação global.

Se as leis passarem, a comissão dos Assuntos Constitucionais encarrega-se do chamado debate na especialidade e os partidos vão tentar chegar a um "texto comum", resultado de negociações relativamente a textos que não são muito diferentes entre si.

Nesse cenário, as semanas e meses que se seguem darão também tempo aos movimentos pró-vida e anti-eutanásia, com o apoio da Igreja Católica, para recolher as assinaturas - são necessárias 60 mil - e propor no Parlamento uma iniciativa legislativa de cidadãos para um referendo nacional.

Caso os diplomas sejam aprovados na generalidade e ultrapassada a fase de discussão na especialidade sem mais surpresas, o texto comum votado em comissão será aprovado em votação final global e seguirá para Belém, tendo o Presidente da República três hipóteses: promulgar, vetar ou enviar a lei para o Tribunal Constitucional.