Governo redesenhado faz passar a primeira moção de confiança da legislatura

Levar até ao fim o programa da troika e “projetar um novo ciclo” de “crescimento” são as tarefas que o remodelado executivo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas se propõe compatibilizar de ora em diante no texto da primeira moção de confiança da legislatura, que é debatida e votada esta terça-feira no Parlamento. É também a clamar por uma “concertação alargada”, ou uma “união nacional”, como tem enunciado o primeiro-ministro, que o governo se apresenta aos deputados. Um apelo oco, no entender da oposição.

RTP /
“Com a missão nacional de resgatar a soberania, o governo reafirma o objetivo de concluir o programa de assistência económica e financeira em junho de 2014”, declara-se no texto da moção Hugo Correia, Reuters

No rescaldo do incêndio político gerado pelas demissões de Vítor Gaspar e Paulo Portas, do gorado processo de negociações com o PS e do beneplácito ulterior de Belém à recomposição do XIX Governo Constitucional, com a ascensão do líder do CDS-PP ao cargo de vice-primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho abre pelas 15h00 o debate da primeira moção de confiança da legislatura.

A última moção de confiança submetida a plenário na Assembleia da República remontava a 2004. Foi apresentada por Pedro Santana Lopes, que assumiu então o lugar de Durão Barroso como primeiro-ministro do governo de coligação com o partido de Paulo Portas.

A única moção de confiança que fez cair um governo no pós-25 de Abril foi apresentada em 1977 – Mário Soares liderava, à época, o II Governo Constitucional, partilhado com o CDS.


O texto traça dois objetivos: a conclusão do Programa de Assistência Económica e Financeira “em junho de 2014”, meta daquilo que o executivo descreve como “a missão nacional de resgatar a soberania”, e a abertura de “um novo ciclo”.

“Cumpridos cerca de dois terços do caminho traçado pelo programa, é com confiança e um renovado espírito de compromisso que o governo solicita à Assembleia da República um voto de confiança para levar por diante, com determinação, o encerramento do programa de assistência e projetar um novo ciclo, sustentado, de desenvolvimento e crescimento”, declara a moção ultimada na quinta-feira em Conselho de Ministros.

Para o segundo capítulo da legislatura, o governo prescreve também uma “linha política e económica” que passaria pelo “relançamento da economia”, por “mais coesão e mobilidade social”, por uma “mudança da relação do Estado com o cidadão e com o território” e, a concluir, por um “papel ativo e inteligente na Europa e no mundo”. Declara-se ainda disposto a criar condições para uma “concertação alargada” com partidos e parceiros sociais, “um compromisso aberto e inclusivo” que permita “agarrar os primeiros sinais de recuperação económica e lançar as bases do rumo do país no período pós-programa”.

E o “rumo do país”, lê-se igualmente numa das passagens de maior pendor ideológico, deverá “deixar para trás a lógica do Estado hierárquico, burocrático, dirigista e opaco, e implantar uma cultura de Estado facilitador, ágil na resposta aos cidadãos, aberto à iniciativa e confiante da responsabilidade dos cidadãos”. Um Estado, define o executivo, que deve ser “descentralizador” e “meritocrático”.

Foi pela voz do Presidente da República, há cerca de dez dias, que o país ficou a saber que haveria uma moção de confiança ao governo suportado por social-democratas e democratas-cristãos. Uma aliança que já foi alvo de cinco moções de censura desde 2011, a última das quais partiu do Partido Ecologista “Os Verdes” e foi debatida e chumbada a 18 de julho.

O texto que estará esta terça-feira em discussão no hemiciclo passará com os votos da maioria. Que não terá tréguas por parte de qualquer das forças da oposição.
“Uma encenação votada ao descrédito”

Dos dias que antecederam a votação da moção de confiança sobram os apelos de Passos Coelho a uma “união nacional” e a resposta ácida de António José Seguro: “Os portugueses têm muita dificuldade em levar a sério este primeiro-ministro”. No domingo, em Vila Nova de Cerveira, o secretário-geral do PS socorria-se de “um recorte de há dois anos, com declarações do mesmo primeiro-ministro, em que dizia: união nacional não é desejável em Portugal”.“Mas será que temos um primeiro-ministro que é de tal forma inculto que não percebe que está a apelar ao partido único do Estado Novo, da ditadura, ou esta é a única referência que ele tem?”, questionava-se no sábado a dirigente do BE Catarina Martins.

“Ninguém leva a sério este primeiro-ministro. É preciso que na política a palavra seja honrada. Não se pode dizer uma coisa hoje e fazer o contrário amanhã”, acrescentava Seguro, numa antecipação do que deverá ser o tom dominante das suas intervenções no duelo parlamentar que hoje travará com o chefe do governo.

Uma semana antes, ao conceder uma entrevista à SIC Notícias, o líder socialista havia já brandido a imagem de um poder executivo cuja credibilidade estaria “nos mínimos”, afirmando ainda que “a credibilidade de um governo não se restaura com uma moção de confiança”.

Durante o último fim de semana, também o PCP arrasou a iniciativa parlamentar do governo, qualificando-a de “encenação votada ao descrédito, tal como a maioria que a decide e o governo que a apresenta”. “Não há colagem dos cacos em que o governo se partiu, não há moção de confiança de uma maioria ilegítima num governo desacreditado, politicamente derrotado e socialmente isolado, que lhe possa dar qualquer credibilidade ou legitimidade”, lia-se numa nota de sábado da comissão política do Comité Central do partido.

Logo no dia em que o Conselho de Ministros aprovou o texto da moção, o PEV denunciou o que disse ser uma “tentativa de limpar” a “imagem tão machucada” do governo. E no sábado foi a vez de Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, avaliar como “barbaridade” o repto para uma “união nacional” e como ”bizarra” a votação de uma moção de confiança pré-anunciada pelo Presidente da República.
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