Jardim contra “centralismo” defende referendo sobre estatuto da Madeira

Crítico da Constituição da República “tal como está” e do que considera ser o “centralismo português”, Alberto João Jardim assume a defesa de um “referendo sobre a Madeira” que inclua, como cenários para o futuro da Região Autónoma, o retorno ao “integracionismo anterior”, a preservação ou a reforma do estatuto de autonomia e, no limite, “a independência”. Em entrevista à RTP Madeira, transmitida na noite de domingo, Dia da Região, o governante insular ressalvou que o seu combate político é “pela autonomia”. O “separatismo”, contrapôs, “é se não quiserem manter a coesão”.

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Na entrevista à RTP Madeira, Jardim afirmou que “nunca teve um ano fácil” ao longo de quase três décadas e meia de governação Gregório Cunha, EPA

“Chegámos a um impasse. A Constituição, tal como está, não nos serve. Nós não aceitamos isto. Não aceitamos o Estado unitário”, afirmou Alberto João Jardim na entrevista à RTP Madeira, referindo-se ao projeto para a conversão do Fórum Autonomia da Madeira (FAMA) em partido político. Para deixar, em seguida, “um repto aos que se dizem democratas”: “Vamos fazer um referendo sobre a Madeira”.

Segundo o presidente do Governo Regional, a consulta popular poderia colocar “quatro hipóteses”: “Ou voltarmos ao integracionismo anterior, ou mantermos a autonomia tal como ela está, ou mantermos a autonomia que fica para o Estado os direitos, liberdades e garantias, defesa, segurança interna, tribunais de recurso e Segurança Social, ou então a independência”.

“Eu sou a favor de que nasça em Portugal uma movimentação, não apenas nas ilhas, mas também no interior português e nas zonas de Portugal que mais têm sido prejudicadas pelo centralismo português, no sentido de fazermos uma força e tentarmos mudar o país”, advogaria ainda o líder dos social-democratas madeirenses, que vislumbra “espaço político” para os que “simultaneamente estão contra o regime político e se queixam do centralismo”.

“No dia em que houver elites de vários pontos do país a se entenderem, teremos um 29 de maio e Lisboa cai”, estimou Jardim, numa aparente alusão à conquista de Constantinopla pelos otomanos, a 29 de maio de 1453.
“O separatismo é lá”
A “luta” de Alberto João Jardim, garantiu o próprio, é “pela autonomia” e será “sempre pacífica e democrática, porque no momento que se recorra a violência perde-se a razão”: “O separatismo é lá. O separatismo é se não quiserem manter a coesão”.Num balanço de 34 anos de governação, Alberto João Jardim disse à RTP ter “a noção de que fez coisas boas e erros”. Entre os quais “acreditar em pessoas que nunca devia ter acreditado”.

“Não perdoo os que estiveram ao meu lado e me metem facas nas costas, cuja carreira política ajudei, que metem facas nas costas nas alturas mais difíceis. Isso é terrível, dá-me um asco”, reprovou.

Para Jardim, “o que conta é a grande transformação que se fez na Madeira, a maior de sempre em toda a história da Região”. Mesmo na vigência do Programa de Ajustamento Económico-Financeiro da Região Autónoma, Jardim propõe-se “acabar as obras começadas, que são algumas das acessibilidades terrestres”.

A Madeira assinalou ontem 36 anos de autonomia num contexto de colapso financeiro. A somar a uma dívida pública calculada em 6,3 mil milhões de euros – 123 por cento do Produto Interno Bruto madeirense e 1,8 por cento das responsabilidades financeiras do Estado -, a Região Autónoma apresenta hoje a terceira maior taxa de desemprego do país (16,1 por cento no termo do primeiro trimestre de 2012) e um endividamento de famílias e empresas acima de sete mil milhões de euros, segundo números coligidos pela agência Lusa.


Na véspera da transmissão da entrevista gravada pela RTP Madeira, o presidente do Governo Regional fora questionado sobre as suas declarações ao canal público.

A Madeira, argumentava no sábado Alberto João Jardim, “não deve andar sujeita a imposições de outras pessoas”.

“A Madeira, como qualquer cidadão livre no mundo e como é direito da comunidade internacional democrática, se houver dúvidas em Lisboa sobre isto, se não se chegar a acordo, acho que deve haver um referendo”, alvitrava então o governante à entrada para um jantar do FAMA, de que é presidente honorário.

Ressalvando que tem “muito orgulho em ser português”, Jardim estimou que, na idade adulta, “pode-se sair de casa, ter a nossa casa e ir almoçar a casa do pai”.

A realização de um referendo esteve, de resto, em análise numa reunião do Conselho Regional social-democrata, que, de acordo com Jardim, “propôs que ficasse claro na Constituição o conteúdo da autonomia da Madeira”.

“Entendemos que devem ficar cinco pontos que são competência da República: direitos, liberdades e garantias, política externa, a defesa nacional e segurança interna, tribunais de recurso e regime de Segurança Social. Fora disto, entendemos que tudo tem que se connosco”, enunciou.

Também na véspera das comemorações dos 36 anos da autonomia o líder do CDS-PP da Madeira instou os apologistas da independência da Região Autónoma a “terem juízo”. Um cenário, sublinhou José Manuel Rodrigues, que “não faz sentido” numa altura em que o arquipélago tem a sua autonomia “hipotecada” por causa da “má governação financeira do PSD”.
“Obrigá-los a pagar”
A agenda de Jardim para o Dia da Região Autónoma da Madeira terminou com uma intervenção no comício laranja em Santo António. Onde o presidente do Governo Regional reconheceu que o Programa de Ajustamento Económico-Financeiro desenhado para a Região “é um plano duro”. “Mas se não o cumpríssemos tínhamos perdido a autonomia”, frisou.

“Não vou ceder um milímetro que seja na autonomia. Não vou precisar de entregar nenhum poder a Lisboa. Temos que ir junto dos tribunais e obrigá-los a pagar o que eles nos devem e o que a Constituição os manda pagar”, atirou ontem à noite o líder do PSD madeirense.

“Deu-se a volta e o meu orgulho e de todos e de cada um dos madeirenses é que se deu a volta com o nosso dinheiro sem Lisboa ter pago um tostão que fosse e, ainda por cima, nos obriga a pagar uma dívida por termos o direito de vivermos tão bem como eles e tão bem como os cidadãos da Europa”, sustentou.

“Nós não somos separatistas, mas é altura de a Constituição portuguesa não ser um conjunto de palavras que dá para os tribunais julgarem sempre a favor de Lisboa e decidirem sempre contra o povo madeirense. É preciso dizer-se na Constituição aquilo que são os poderes da Madeira”, insistiu Alberto João Jardim, enumerando, uma vez mais, como poderes a manter na esfera do Estado os direitos, liberdade e garantias, a política externa, a defesa, a segurança interna, os tribunais de recurso e a Segurança Social.

“Fora disto não há que aceitar o colonialismo. Fora disto não há que aceitar ordens de outros. Fora disto somos suficientemente capazes para governar a nossa vida e não estávamos metidos nestes problemas se tivéssemos maior capacidade para enfrentar e resolver e não estivéssemos sujeitos às asneiras de Lisboa”, acentuou.
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