Política
Presidenciais 2026
Jorge Pinto e Gouveia e Melo. Debate mostra proximidade de ideias entre candidatos
Os dois candidatos às eleições presidenciais estiveram esta quarta-feira em debate e mostraram posições comuns ou semelhantes em vários temas, desde a lei laboral à justiça ou quanto à posição de um chefe de Estado perante uma eventual revisão constitucional à direita.
Num debate em que o tom cordial imperou, Henrique Gouveia e Melo e Jorge Pinto mostraram estar predominantemente próximos nos temas em discussão, nomeadamente a lei laboral.
Se num momento inicial o almirante explicou que tem mantido o silêncio sobre esse tema, sublinhando que as negociações ainda estão a decorrer, acabou por admitir minutos depois que a lei do trabalho deve ser flexibilizada "sem atacar o núcleo mais importante dos direitos dos trabalhadores".
Dando alguns exemplos do pacote laboral atualmente em discussão, nomeadamente com a mudança dos tempos de contratos a termo, Gouveia e Melo argumentou que "isso é atacar o núcleo duro de direitos que foram conquistados e que não faz sentido em termos de flexibilizar a economia".
Por sua vez, Jorge Pinto vincou que os candidatos devem ter uma posição sobre este pacote laboral. Considerou que vários pontos levantam dúvidas constitucionais, nomeadamente o fim do direito de reintegração de um trabalhador despedido ou alargar serviços mínimos durante uma greve.
Mas, para além da inconstitucionalidade, o chefe de Estado "tem ao seu dispor o veto político".
"Se esta proposta chegasse até mim como está neste momento, teria o meu veto político", garantiu, acrescentando que as propostas podem mesmo alterar dinâmicas familiares e não vão resolver os problemas do país.
Gouveia e Melo defendeu, ainda neste tema, que a economia "requer alguma flexibilidade". No entanto, sem "coesão social" a própria economia pode-se "deslaçar". Já Jorge Pinto mencionou a importância de não deixar "ninguém para trás" com as transformações socio-económicas em curso, nomeadamente a robotização e a ascensão da Inteligência Artificial no mundo do trabalho e possível implementação de um rendimento básico incondicional.
Utopias e preocupações com crianças e idosos
Ainda no âmbito do desenvolvimento e evolução da tecnologia, Gouveia e Melo alertou para o cuidado necessário com "utopias". "Já houve muitas utopias no mundo que falharam com consequências muito desastrosas", apontou.
"Há utopias pelas quais vale a pena lutar", ripostou Jorge Pinto, dando os exemplos do SNS ou da educação pública em Portugal como forma de elevador social.
O candidato apoiado pelo Livre alertou também para o perigo de "algoritmos alimentados pela extrema-direita", demonstrando preocupação com a radicalização de crianças e jovens numa "espiral de ódio". Defendeu um maior "controlo público e estatal" para que as tecnologias não sejam "uma ferramenta ao serviço daqueles que querem acabar com as nossas democracias".
Gouveia e Melo apontou à falta de respostas em áreas fulcrais na sociedade, nomeadamente ao nível do envelhecimento. Sublinhou como as famílias "têm dificuldade para continuar a cuidar dos seus idosos", que "muitas camas nos hospitais são sociais" e o tempo de espera para aceder a uma vaga num lar "em condições" é "qualquer coisa como quatro anos".
Extremismos, a maior ameaça ao país
Questionados pelo jornalista José Alberto Carvalho sobre a maior ameaça que o país enfrenta no momento atual, Henrique Gouveia e Melo apontou ao "ódio, divisão e fratura da nossa sociedade". Os partidos tradicionais que "perderam eleitores para os extremos" devem "fazer uma autorreflexão".
"Não é a população que está a errada, são as respostas", acrescentando que o Presidente da República é o guardião do sistema democrático.
Sobre os dez anos de presidência de Marcelo Rebelo de Sousa, Gouveia e Melo considera que o chefe de Estado "tentou fazer o melhor que podia" mas os tempos "também não são fáceis", com um "extremismo que também vem de fora para dentro".
Jorge Pinto assinalou, em resposta à questão das ameaças, que há "uma grande ameaça à própria República" e que há mesmo um candidato presidencial na corrida a Belém que já afirmou "que queria acabar com ela".
"A ideia de que a fraternidade em Portugal se está a perder é problemática. Não podemos ter familiares que deixam de se falar porque discordam politicamente. (...) Isto não acontecia antes, não pode acontecer agora", defendeu.
Revisão constitucional? "Não há necessidade"
Foi o próprio Jorge Pinto a trazer à discussão a possibilidade de uma revisão constitucional "apenas à direita", interpelando o adversário e convidando-o a assumir uma "posição clara". O almirante admitiu que "isso não seria desejável".
"Terei de respeitar sempre a própria Constituição que eu juro. Estou muito contente com a Constituição atual, acho que serve perfeitamente, não há necessidade de revisão. Os pesos e os contrapesos estão lá todos, não há necessidade de fazer grandes alterações.
Jorge Pinto afirma mesmo que dissolveria a Assembleia da República, um poder que deve ser usado "com parcimónia" e não deve nunca ser sancionatório de um Governo, mas que se justifica perante uma "revisão drástica da Constituição" sem discussão em eleições legislativas.
Para completar a ideia defendida, Gouveia e Melo considerou que um dos cenários para dissolver a Assembleia da República seria o de "quebra do contrato feito em eleições" e que qualquer revisão "à revelia de se ter dito o que se pretendia" seria um motivo válido.
Justiça morosa e o caso Sócrates
Sobre os últimos desenvolvimentos na Operação Marquês, Gouveia e Melo considerou que se deve fazer justiça "demore o tempo que demorar". Mas reconheceu que a morosidade provoca o "descrédito" e que é "excessivo" julgar um caso por mais de dez anos.
Apontou como "péssima" a interferência da política na justiça e vice-versa e prometeu promover uma "revisão forte" contando com o contributo de todos os atores.
Jorge Pinto sublinhou que "o exemplo tem de vir de cima" com governantes eticamente "irrepreensíveis". Considerou também que é "insustentável" que um processo possa levar mais de dez anos, lembrando também a ausência de quaisquer desenvolvimentos na Operação Influencer, que esteve na origem da queda de um Governo.
"A separação de poderes tem de valer em todos os sentidos", defendeu. Também ele prometeu defender, enquanto presidente, a reforma do sistema de justiça.
Houve ainda tempo para uma irritação de Henrique Gouveia e Melo com uma questão sobre José Sócrates, que hoje mesmo declarou apoio à sua candidatura. Questionado sobre este apoio, o almirante afirmou que o ex-primeiro-ministro "votará em quem desejar" e que não tem nada "a ver com isso".
"Parece uma pergunta provocatória e deslocada deste debate", lamentou o candidato, afirmando que preferia ter falado sobre as implicações do conflito da Ucrânia na Europa e em Portugal ao invés de "perder tempo" com "politiquice".
Jorge Pinto, que já foi militante do PS, fez questão de vincar que enviou à época um e-mail ao antigo primeiro-ministro em que declarava que não o apoiaria numa recandidatura ao cargo de secretário-geral do partido.
O candidato apoiado pelo Livre aproveitou a deixa de Gouveia e Melo para mencionar a guerra no leste da Europa. "Estamos a assistir a uma negociação entre Casa Branca e Kremlin sobre destino e futuro da Europa", uma negociação em que a Europa "não é tida nem achada".
Vincou também que, em Portugal, "não se ouviu uma única palavra" sobre este tema por parte do presidente da República e do primeiro-ministro. Portugal "tem de ser capaz de ter voz ativa", defendeu.