Jornalistas dizem ter sido alvo de perseguição por parte do Governo

Começaram esta quarta-feira no Parlamento as audições na Comissão de Ética, Sociedade e Cultura com a presença dos jornalistas José Manuel Fernandes e Mário Crespo. O ex-director do Público classificou a relação do Governo com a comunicação social de "doentia". Já o "pivot" da SIC Notícias reiterou ter sido vítima de censura em pleno século XXI.

RTP /
Os jornalistas José Manuel Fernandes e Mário Crespo não pouparam nas palavras e lançaram ao Governo duras críticas Luís Forra, Lusa

Esta tarde marcou o arranque das sessões que durante muitas semanas vão ter lugar no Parlamento com vista a avaliar a liberdade de expressão em Portugal e a alegada interferência do Governo no universo da comunicação social.

Os dois jornalistas não pouparam nas palavras e lançaram ao Governo duras críticas, situando os episódios de alegada pressão do Executivo Sócrates sobre a sua actividade nos meios de comunicação social.

Mário Crespo sustentou que as pressões do Governo existem e têm aumentado, tendo invocado a sua crónica - que entregou em fotocópia aos deputados logo no início da sessão - que o Jornal de Notícias se recusou a publicar e terminado com uma ironia pelo facto de "o primeiro-ministro se lembrar dele em dia de Orçamento do Estado".

Mas o primeiro a ser ouvido foi José Manuel Fernandes, que acusaria o governo de manter uma relação doentia com a comunicação social.

O antigo director do Público deixou ainda críticas ao Executivo socialista pela forma como lida com os media, revelando aos deputados da Comissão de Ética que o Governo tentou afastá-lo da direcção do jornal, o que - acrescentou - não impediria que viesse a sair em Outubro passado por vontade própria.

Relação do Governo com a comunicação social "é doentia"

O ex-director do Público apelidou de "doentia" a forma como o Governo se relaciona com a comunicação social e apontou vários episódios em que esteve profissionalmente envolvido e que na sua perspectiva são exemplos de tentativa de intervenção do Executivo de Sócrates na política editorial do jornal.

"Ao longo dos últimos 5 anos, houve uma relação (do gabinete do primeiro-ministro) com os media que foi, em muitos aspectos, pouco saudável, para não dizer doentia e criadora de um ambiente o mais desfavorável à liberdade de expressão", sustentou o jornalista, assegurando ter testemunhado vários casos "no jornal Público mas também noutros órgãos de comunicação social".

Um dos alegados episódios, "sucedeu logo que este Governo tomou posse" e após o Público ter combinado uma entrevista com um ministro: "Na véspera da entrevista fomos informados pelo gabinete do primeiro-ministro que a entrevista tinha sido dada a outro jornal por instruções do primeiro-ministro, que não queria que a primeira entrevista saísse no Público".

José Manuel Fernandes vê este como "o primeiro sinal da direcção que o Governo tomava", apesar de terem ocorrido anteriormente outras situações de "tensão" entre o jornal e José Sócrates.

José Manuel Fernandes avançou ainda que várias fontes, algumas próximas do gabinete do primeiro-ministro, lhe fizeram chegar a informação de que a OPA da Sonaecom sobre a PT nunca avançaria enquanto ele estivesse no lugar de director do Público, o que o levou a colocar o lugar à disposição, solução que o accionista colocou de parte.

Mário Crespo reitera ter sido alvo de censura

Perante a Comissão de Ética, Mário Crespo declarou aos deputados que as pressões governamentais sobre a comunicação social existem e têm aumentado. Ainda antes da sessão de perguntas e respostas, o jornalista distribuiu fotocópias de uma crónica que disse não poder publicar por não ter onde escrever.

"Estou aqui porque me foi censurada uma crónica", afirmou na comissão de Ética, Sociedade e Cultura.

"A crónica foi censurada e surpreendeu-me muito a atitude do José Leite Pereira (diretor do Jornal de Notícias)", sublinhou Mário Crespo, defendendo que "o que o chefe do Governo diz em público tem significado, tem que ter".

"Tenho uma série de fontes inequívocas - e de resto nunca foi desmentido - que me dizem ter sido dito (por José Sócrates) que eu seria um problema a ser resolvido", deixou ainda o jornalista da SIC Notícias.

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