Política
Marcelo defende acordo político sobre papel do SNS
O Presidente da República defendeu esta quinta-feira um acordo de regime sobre o papel do Serviço Nacional de Saúde, do setor social e do setor privado lucrativo. Marcelo Rebelo de Sousa criticou ainda a "indefinição" criada com a criação e atuação da Direção Executiva do SNS.
Num longo discurso, o Presidente da República encerrou uma conferência no ISCTE sobre os 50 anos do Serviço Médico na Periferia (SMP) e deixou vários alertas às lideranças políticas. Marcelo Rebelo de Sousa falou de uma mudança "alucinante" nos últimos dez anos, o que "deu origem a uma realidade jurídico-institucional quando se falava de saúde em Portugal, e depois, uma realidade socioeconómica diferente dessa que se ia criando em Portugal".
Por isso, Marcelo questionou se não seria benéfico alcançar-se um acordo tendencialmente nacional ou mesmo de regime "para evitar mudanças nas políticas de saúde com mudanças de Governo", assinalando que ele próprio procurou entendimentos quando foi líder da oposição.
"Ganhar-se-ia em fazer convergências mais amplas para tornar mais duradoura a decisão sobre questões fundamentais no domínio da saúde", com "linhas essenciais" que permitissem opções "de médio e longo prazo", vincou.
"Ganhar-se-ia em fazer convergências mais amplas para tornar mais duradoura a decisão sobre questões fundamentais no domínio da saúde", com "linhas essenciais" que permitissem opções "de médio e longo prazo", vincou.
"Não é boa ideia de cada vez que muda o Governo mudar-se de política",
observou Marcelo Rebelo de Sousa. Observou mesmo que "está cada vez mais difícil" estabelecer convergências e que aparecem "clivagens" em matérias como "a definição de quem é português", a definição da política externa ou da política de defesa e segurança ou a definição da política educativa.
Em concreto sobre o setor da saúde, afirmou que a mudança constante de políticas com a entrada de diferentes Governos é nefasta. "Não há política de saúde que aguente, não há. Ou melhor, não há saúde que aguente", defendeu.
"Uma não opção é uma opção"
No entanto, e mesmo que se governe sem esse acordo entre Executivo e oposição, o Presidente da República assinalou a necessidade de determinar "o que deve ser o SNS, o setor social e o setor privado lucrativo" e "o que pode ou não ser partilhado com o setor social e o setor privado lucrativo".
O Presidente da República falou sobre o SNS como a "coluna
vertebral" dos cuidados de saúde em Portugal e que o setor social passou
a ser um segundo setor público, por praticamente não haver mecenas em
Portugal. "O setor social hoje já não é o que era", afirmou. Para além
deste, há também o "setor privado lucrativo", que surgiu e foi crescendo
por "não tomada de decisões, desatualização de soluções e prioridade
genérica" por parte do SNS.
"Sem definir isto, a atuação política passa a ser casuística", respondendo a "buracos" com "remendos" e "planos de emergência". "É uma dispersão de decisões, desgaste de decisões, soluções para o curtíssimo ou curto prazo", apontou Marcelo Rebelo de Sousa.
O Presidente da República falou em concreto dos centros de saúde e da necessidade de reforçar os cuidados primários perante o envelhecimento da população. Se tal não for feito, o setor privado irá ocupar esse espaço mesmo que não seja tomada qualquer decisão política.
"Uma não-opção sobre esta matéria é uma opção. É deixar ao casuísmo a evolução dos acontecimentos. (…) Onde não se aposta fica um vazio que é preenchido por outros", alertou.
"Ficou-se a meio da ponte" na gestão do SNS
Outro dos elementos mais relevantes desta intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa foi o da gestão do SNS. Se antes era gerido pelo Governo a nível político e administrativo, o novo modelo quis "encontrar uma fórmula de separar decisões políticas", do Governo, da gestão "administrativa", referindo-se à Direção Executiva do SNS, criada há três anos ainda durante a governação de António Costa.
Numa tentativa de delimitação clara do que caberia ao Estado e à nova entidade gestora, o Presidente da República considera que "ficou-se a meio da ponte" entre as várias mudanças de decisão e também de Governo.
Na visão de Marcelo Rebelo de Sousa, não se resolveu a exposição do Governo às tomadas de decisão, mas também "acabou por se criar problemas". Caso a caso, não se sabe "quem deve intervir e falar pelo SNS", criticou.
O Presidente da República considerou que se mantém a "indefinição" e as "linhas cinzentas", pelo que "ressurge o casuísmo que se queria evitar". Marcelo Rebelo de Sousa diz mesmo que se segue, deste modo "o caminho das pedras, que é o caminho mais difícil".
SNS tem "papel específico e singular" em Portugal
Independentemente das opções do Governo e decisores políticos, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que o SNS tem um papel "específico e singular" em Portugal, tratando-se de um país "envelhecido" e com "dois milhões, dois milhões e meio de pobres".
Mesmo com a evolução dos seguros privados, estes "não cobrem sequer metade da população" e muitos desses seguros de saúde não cobrem os cuidados "mais complexos e exigentes".
Por outro lado, a partilha dos cuidados básicos e da formação com o setor social e privado "é uma ideia ainda hoje idealista".
"Tudo isto exige que se considere a sério situação dos cuidados primários. Nos cuidados primários, com todos os seus problemas, a rede pública do SNS, mesmo quando tem deficiências fruto de circunstâncias muito variadas, tem uma experiência e uma tradição que os outros setores vão ter muita dificuldade em responder no imediato. Isto não é ideológico. É a realidade", alertou Marcelo Rebelo de Sousa.
E terminou com um reforço do alerta sobre os perigos dos vazios de decisão e de opções "vão sendo adiadas". "Tudo o que é adiado vai-se avolumando", afirmou.