Marcelo ensaiou com `selfies` a presidência dos "afetos"

Marcelo Rebelo de Sousa fez duas campanhas pouco convencionais, ganhou as eleições presidenciais e em 2021 viu emergir as forças da extrema-direita e André Ventura.

Lusa /
Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito Presidente da República pela primeira vez em 2016 | Arquivos RTP

2016: Marcelo das `selfies` ganha "sozinho" e com esquerda dividida

 

Marcelo Rebelo de Sousa, o ex-líder do PSD que, anos a fio, "entrou" pela televisão na casa dos portugueses como comentador político, ganhou as presidenciais de 2016 praticamente sozinho, com uma campanha sem cartazes e nem comícios.

Muito sozinho na estrada, mas com o apoio formal do seu partido, o PSD, e do CDS, Marcelo inaugurou uma campanha de "grande proximidade afetiva" com as pessoas, numa espécie de ensaio do que viria a ser o seu primeiro mandato em Belém - o Presidente "dos afetos" e das `selfies`.

Durante a campanha, apresentou-se como um moderado, alguém que está na "esquerda da direita", numa altura em que o país era governado, desde o ano anterior, por um Governo minoritário do PS, chefiado por António Costa, com o apoio parlamentar do PCP, BE e PEV, e que ficou para a história como a `geringonça`,

No dia das eleições, em 24 de janeiro de 2016, o professor de Direito Constitucional teve mais de metade dos votos expressos (52%), prometeu ser "livre e isento", defendeu uma governação "com eficácia e com sucesso" e uma "oposição ativa e representativa".

Numa eleição com número recorde de candidatos -- dez -- a esquerda dividiu-se. E o PS, recém-chegado ao poder com o Governo de António Costa, não apoiou formalmente ninguém.

Os apoios socialistas foram distribuídos por vários concorrentes. Dirigentes destacados do PS - mas nunca António Costa - apareceram ao lado de António Sampaio da Nóvoa, professor e antigo reitor da Universidade de Lisboa.

O candidato que se apresentou como "cidadão presidente" ficou em segundo, com 22,8% dos votos, mas a grande distância do vencedor.

Já Maria de Belém, ex-ministra da Saúde socialista nos governos de António Guterres, obteve 4,2% dos votos.

Mais à esquerda, o PCP apoiou o comunista Edgar Silva, o ex-padre madeirense, que teve o pior resultado de um candidato apoiado pelos comunistas (3,9%), e o Bloco de Esquerda escolheu a eurodeputada Marisa Matias, que conseguiu mais do dobro, com 10,1%, mas ficou longe do objetivo de uma segunda volta.

Numa campanha marcada pelas críticas mais ou menos pesadas, mais ou menos bem-humoradas a Marcelo - apelidado de candidato `fast food` por Nóvoa - os restantes cinco candidatos, mais pequenos, também fizeram acusações cruzadas.

De todos foi Cândido Ferreira, médico e militante do PS, o mais crítico. Elegeu o adversário Sampaio da Nóvoa em muitas ações de campanha para pôr em dúvida o seu percurso académico e a validade da sua licenciatura, acusando-o ainda de ter feito afirmações "que demonstram um desprezo total pela pátria portuguesa". Teve 0,23% dos votos,

Henrique Neto, empresário e ex-deputado do PS, apontou essencialmente a falta de uma estratégia para o país, mas também criticou a dependência "doentia" de Portugal em relação à União Europeia, e o sistema e os políticos que não servem os portugueses. Recolheu 0,84% dos votos.

Mais à direita, Paulo Morais (ex-PSD) afirmou que os candidatos da ala socialista estão "desorientados" e sem garantias de vencer uma segunda volta, que não aconteceu, criticou o deserto de ideias dos restantes nove concorrentes e fez da luta contra a corrupção uma das suas bandeiras. Foi o sétimo mais votado, com 2,16%.

O candidato Jorge Sequeira, psicólogo e professor universitário, já tinha criticado veladamente os seus adversários ao dizer que ele era o único totalmente independente, nada que o impedisse de, dias depois, dizer que os dez concorrentes às eleições eram "os 10 melhores candidatos do mundo".

Vitorino Silva, ex-militante do PS e calceteiro - Tino de Rans - volta a concorrer e definiu-se assim: "Sou o único candidato que tem preocupações com todos os portugueses", o único que tem "a humildade para os poder ouvir". E ficou em sexto lugar, com 152 mil votos e 3,2%.

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2021: Marcelo reeleito sem espanto, extrema-direita sobe e esquerda cai

 

Sem surpresa, Marcelo Rebelo de Sousa foi reeleito Presidente em 2021 após uma campanha "confinada" devido à pandemia de covid-19 em que André Ventura, do Chega, teve mais de 10% e a esquerda sofreu uma queda.

Com cerca de 60% dos votos, o professor de Direito, comentador político conseguiu mais votos do que em 2016 -- ao contrário do que aconteceu na reeleição de Jorge Sampaio e Cavaco Silva --, mas abaixo do resultado de Mário Soares na reeleição (70%), em 1991.

Mais uma vez com apoio formal do PSD e do CDS e de dirigentes do PS, Marcelo andou muito sozinho na campanha e tentou não sair do papel de Presidente, num dos momentos mais graves da pandemia, em estado de emergência e confinamento.

Como sozinho se apresentou na noite de 24 de janeiro de 2016, na Faculdade de Direito de Lisboa, recusando a ideia de que a vitória é "um cheque em branco" para prometer proximidade, "em convergência, em estabilidade, em construção de pontes".

António Costa, à frente de um Governo PS, partido que se dividiu entre Marcelo e a ex-eurodeputada Ana Gomes, felicitou calorosamente o Presidente reeleito, ainda antes do discurso de vitória, e fez votos "em profícua cooperação institucional".

Ana Gomes, com apoio de dirigentes do PS, do Livre e do PAN, conseguiu ficar em segundo, cumprindo o "objetivo patriótico" de impedir que a ultradireita - André Ventura - se apresentasse como "possível alternativa".

André Ventura, então deputado único, foi uma das surpresas da noite: 11% dos eleitores (quase meio milhão de pessoas) votaram no líder do Chega. Ventura reclamou ter esmagado a extrema-esquerda, mas ficou aquém do objetivo de ficar em segundo, demitiu-se da liderança para ser reeleito semanas depois.

À esquerda, Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, e João Ferreira, apoiado pelo PCP e Verdes, deram um trambolhão.

João Ferreira teve 4,32%, melhorou umas décimas relativamente a votação de 2016 com Edgar Silva, e tentou contornar a questão dos números, afirmando que não era o "candidato das percentagens". Cindo anos depois de ter 10% dos votos, Marisa Matias caiu para os 3,95%, admitiu a derrota e culpou o PS pela divisão à esquerda.

À direita, o estreante Tiago Mayan Gonçalves teve o apoio da Iniciativa Liberal e três por cento dos votos, resultado que olhou como uma "janela de esperança" e um sinal do "crescimento da onda liberal".

No fim da lista ficou Vitorino Silva, o calceteiro mais conhecido por Tino de Rans, com 2,9%, menos 30 mil do que em 2016.

Depois de anos de convivência, sem grandes incidentes, com um primeiro-ministro e um governo de esquerda (com e sem acordo do PS com a esquerda parlamentar, PCP, BE e Verdes), Marcelo avançou para o segundo e último mandato com a promessa de "mais e melhor" e "solidariedade institucional" ao parlamento e ao executivo.

O que pode explicar que Rui Rio, líder do PSD, que formalmente apoiou Marcelo, o tenha felicitado pela vitória, mas pedindo-lhe que fosse "mais exigente com o Governo" do PS e António Costa.

Numa campanha invernosa, com frio e neve e com candidatos de máscara na cara devido à pandemia, a abstenção subiu (mais de 60%), e foi a mais alta de sempre.

 

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