Mário Soares, memória de uma vida longa e intensa

Figura incontornável da história contemporânea portuguesa, Mário Alberto Nobre Lopes Soares nasceu em Lisboa, no dia 7 de dezembro de 1924. Começou cedo a carreira política. Fundou o Partido Socialista e foi um ativo resistente à ditadura. Fez da atividade política o centro da vida e nunca deixou de desafiar ventos e marés. Para levar a água ao seu moinho.

"Gigi" ou "Licas", como era carinhosamente chamado pelo pai, sempre se considerou uma criança despreocupada, feliz, embora ultraprotegida pelos pais, os meios-irmãos e os amigos da família.

"A memória, de uma vida longa e intensamente vivida, vai-se mantendo, com as falhas seletivas inevitáveis e os relâmpagos, que irrompem às vezes, inesperados, quando as ocorrências do dia-a-dia os suscitam. Vêm de um tempo rico em recordações - pessoas, lugares, acontecimentos, leituras - que me marcaram, no bom ou no mau sentido, e que regressam subitamente e se me impõem".



Mário Soares foi o segundo filho do antigo sacerdote, professor e pedagogo, que foi ministro das Colónias na Primeira República, João Lopes Soares, natural de Leiria, e de Elisa Nobre Baptista, de Santarém.

Começou cedo na carreira política. Foi fundador do Partido Socialista (PS) e um dos mais conhecidos rostos da luta contra o regime. "Nasci como filho ilegítimo"
"Nasci em dezembro de 1924, numa casa onde moravam os meus pais, nessa altura, e não se ia ter os partos para as maternidades. Ainda não havia esse hábito", disse à RTP Soares, no programa Mário Soares, o meu século XX e a Transição do Mil Memórias do Portugal Futuro, em novembro de 2011.



"Quando o meu pai se juntou com a minha mãe, antes de haver divórcio da minha mãe porque ela era casada, ele juntou-se com a minha mãe e ficaram sem realizar nenhum casamento e foi nessa circunstância que eu nasci. Portanto, eu nasci como um filho ilegítimo, como se chamava nessa altura, isto é, fora da constância do casamento, como se diz", adiantou Soares.


Programa Mário Soares, o meu século XX e a Transição do Mil Memórias do Portugal Futuro - 24/11/2011

No mesmo programa Mário Soares confessou ter ficado chocado com a notícia: "Quando eu vim a saber isso, que foi por volta dos seis, sete anos, isso foi uma coisa que me chocou na altura. Só sabia que o meu pai não estava praticamente em casa, ia vê-lo a sítios absolutamente estranhos e que não tinha o nome que ele tinha, o meu pai chamava-se João Lopes Soares. Tinha que usar pseudónimos porque estava na clandestinidade".
"Diário de Mário Soares"
Com 17 anos, Mário Soares decide começar aquilo a que chamou diário. "Não é certamente um diário este caderno, embora eu o intitulasse assim", escreveu no dia 30 de julho de 1942, naquele que viria a ser o primeiro de muitos "cadernos", a que a RTP teve acesso em 2011.



"Aquilo que é confidencial desperta em quase toda agente o desejo completo e integral de ser conhecido. Oxalá este caderno não desperte tal apetite! Não porque aquilo que contém não possa ser lido, mas porque não interessa a outrem, que não o próprio".

"De facto, no momento em que o inicio, estou disposto a anotar dia a dia, com singular tenacidade, as banalidades de uma vida banal. Este caderno será então o plano que antecipadamente traço para seguir consciente e seguro de mim, o caminho que me há-de conduzir ao lugar, que suponho ser o sítio que verdadeiramente devo ocupar".
30 de julho de 1942

Mário Soares, o meu século XX e a Transição do Mil Memórias do Portugal Futuro - RTP - 24/11/2011

Por ocasião do 87.º aniversário, Mário Soares confessou à RTP que sempre se considerou uma pessoa comum. "Nunca me considerei uma pessoa de exceção, antes pelo contrário sempre me achei uma pessoa comum (...) depois a vida deu-me possibilidade de eu conviver com muita gente, de conviver com muitas pessoas, tive essa grande sorte".

"Mário Soares Íntimo e Pessoal" - Entrevista do jornalista Vítor Gonçalves a Mário Soares - 07-12-2011

O político pertenceu ainda ao MUNAF (Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista), em maio de 1943, e depois foi membro da Comissão Central do MUD (Movimento de Unidade Democrática), tendo sido fundador do MUD Juvenil e membro da primeira Comissão Central."Nunca fui bom estudante"
Frequentou o Colégio Nuno Álvares e o Externato D. Dinis, mas foi no Colégio Moderno, fundado e dirigido pelo pai, que concluiu o ensino liceal. Matricula-se depois no curso de Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras de Lisboa. Finaliza o curso, seguindo depois Direito.

"O meu pai dizia que eu devia ser advogado porque achava que eu falava bem e que tinha uma boa capacidade de expressão".

Programa Mário Soares, o meu século XX e a Transição do Mil Memórias do Portugal Futuro - 24/11/2011

Foi professor do Ensino Secundário particular e diretor do Colégio Moderno. Como advogado, defensor de presos políticos, participou em numerosos julgamentos, realizados em condições dramáticas, no Tribunal Plenário e no Tribunal Militar Especial.



Representou a família do General Humberto Delgado na investigação do assassinato daquele antigo candidato à Presidência da República, tendo contribuído decisivamente para desvendar as circunstâncias e denunciar as responsabilidades nesse crime cometido pela polícia política de Salazar (PIDE).
"A morte"
O tema "morte" não era um assunto de que gostasse de falar. Mário Soares confessou que esse era um pensamento para pôr de lado. "Acho que já pensei algumas vezes, mas é um pensamento que se deve por de lado. Eu enquanto viver estou cá para viver e para viver bem disposto e não estou muito mal disposto".

"Mário Soares Íntimo e Pessoal" - Entrevista do jornalista Vítor Gonçalves a Mário Soares - 07-12-2011


"32 anos a lutar contra Salazar"
Mário Soares foi um dos impulsionadores da independência das colónias portuguesas e, em março de 1977, iniciou o processo de adesão de Portugal à CEE.

Foi primeiro-ministro nos I, II, e IX Governos Constitucionais e Presidente da República entre 1986 e 1996.

"O que mais me orgulho de tudo é de ter passado 32 anos a lutar continuamente contra o Salazar, ter sido preso 12 vezes, ter sido deportado, ter sido exilado e nunca ter desistido".



A figura do pai marca definitivamente o seu percurso. Governador civil da Guarda e de Braga, deputado e ministro das Colónias durante o período republicano, o nome de João Soares surge ligado a várias das tentativas revolucionárias dos primeiros anos da ditadura militar, tendo estado deportado nos Açores na sequência da revolta de junho de 1930.



"Há imensas coisas para fazer. Falta-me ler imensos livros, falta-me ler alguns outros, falta-me conviver".

"Mário Soares Íntimo e Pessoal" - Entrevista do jornalista Vítor Gonçalves a Mário Soares - 07-12-2011
"Tempo escasso "
"Com o tempo é diferente. Corre à nossa frente, cada vez mais rápido, inexorável, à medida que os anos vão passando e se começa a ter a consciência de que o tempo é escasso. Terrivelmente escasso. E imprevisível, apesar dos ensaios de futurologia. De resto, tudo, ou quase tudo, o que acontece, por mais importante que nos tenha parecido, acaba por se relativizar, com os anos, e referir-se apenas à circunstância: a cada ciclo político-cultural, aos combates travados, ao jogo dos interesses em presença, às ambições, ao empenhamento pessoal, aos desejos... Pouca coisa, afinal".