"O Chega conseguiu colocar o pobre contra o pobre"

No livro "Por dentro do Chega - a face oculta da extrema-direita em Portugal", o jornalista Miguel Carvalho mergulha nos bastidores do partido, desde as suas origens, recorrendo a documentos internos e testemunhos de antigos e atuais dirigentes ou militantes.

Teresa Borges - Antena 1 /

Miguel Carvalho - Facebook

Em entrevista à Antena 1, relata o cenário de “guerra civil interna” que se viveu nos primeiros anos do Chega, o “clima de paranoia” que levou André Ventura a ponderar uma fuga para Marrocos e explica como o partido se está a implementar nas escolas, onde muitas crianças “ainda não votam, mas já têm a narrativa do Chega na ponta da língua”.

“Se o eleitorado do Chega, ou pelo menos uma parte dele, conhecesse a fundo aquilo que é o partido por dentro, jamais votaria num partido como o Chega”, refere Miguel Carvalho, insistindo na necessidade de não se confundir dirigentes, militantes e eleitores. 

“Pela minha experiência, em contacto com centenas e centenas de pessoas que votaram no Chega, tenho um grande respeito por muitas delas, em alguns casos pelas suas histórias de vida”, acrescenta.“Compreendi o que se gerou naquelas cabeças para que a dada altura o Chega parecesse uma opção”.

O jornalista, que investigou ao longo dos últimos cinco anos o partido, relata como, mesmo antes de ser deputado, André Ventura soube capitalizar o sentimento de “descrédito da classe política” e da “falta da palavra dada ao longo de anos”. 

“Foi a zonas do país onde não ia um político há muito tempo. Podia não ter ido lá oferecer grande coisa na altura, não ter propriamente um programa – como acho que ainda hoje não tem – mas as pessoas valorizaram a sua presença e a possibilidade de ter ali alguém que gritaria por elas”, explica Miguel Carvalho. 

Uma aposta que se mantém ainda hoje. “O Chega conseguiu algo que tem, a meu ver, um requinte maquiavélico, mas que é um sinal dos nossos tempos, que é colocar o pobre contra o pobre”, considera o autor.“Pessoas a receber o rendimento social de inserção, mas que não querem que o vizinho do lado, nas mesmas circunstâncias, receba. E o Chega conseguiu, de alguma maneira, harmonizar isto como seu eleitorado, esta inveja do outro”.

O livro aborda também os conflitos internos que marcaram os primeiros anos do partido. “Hoje o partido está muito mais domesticado, mais obediente ao chefe. Naqueles primeiros anos, sobretudo até ao final de 2021, tinha alguma contestação interna e alguns opositores que, mesmo não estando em discordância no geral com a direção, consideravam que se estava a caminhar largamente para um clima absolutamente autoritário”, refere Miguel Carvalho. 

Neste período, contam dissidentes do partido ao autor, a gravação de conversas e telefonemas não autorizadas, utilizadas contra adversários internos, era prática recorrente. “Um simples telefonema entre militantes ou entre dirigentes opositores era o pretexto para se gravar a conversa e a conversa sem usada junto da direção para afastar este ou aquele dirigente”, afirma o jornalista, que fala mesmo em matéria de relevância criminal. 

São práticas ilegais. Só de imaginar que um partido como este, à beira de, eventualmente, ganhar umas eleições ou de participar numa governação em coligação, só de um partido com estas práticas pode, por exemplo, ficar com a pasta do Ministério da Administração Interna, que gere os dossiers mais complexos, confidenciais e secretos do governo português, é absolutamente assustador”, reforça o jornalista.

Nas livrarias desde 15 de setembro, o livro “Por dentro do Chega - a face oculta da extrema-direita em Portugal” é lançado este domingo, 21 de setembro, na Casa do Comum, em Lisboa. A apresentação está a cargo de Isabel Duarte, Teresa Violante e Tiago Rodrigues.
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