Oposição denuncia "vitimização" de Sócrates

por RTP
"O essencial é a matéria relacionada com o condicionamento do exercício de liberdade de expressão", reage Aguiar-Branco Estela Silva, Lusa

A Oposição rebateu esta terça-feira as últimas declarações do primeiro-ministro sobre as notícias de um alegado plano do Governo para controlar órgãos da comunicação social. José Sócrates acusou os partidos à esquerda e à direita do PS de retirarem dividendos da publicação “ilegal” de escutas, mas PSD, CDS-PP, BE e PCP reafirmam que se impõem mais explicações.

"O senhor primeiro-ministro ensaiou mais uma vez uma imagem de vitimização, ataca o PSD para desviar a atenção do essencial", reagiu o líder parlamentar dos sociais-democratas, depois de o primeiro-ministro ter acusado o maior partido da Oposição de estar na linha da frente dos "ataques de carácter" dirigidos à cúpula do Governo socialista.

Para José Pedro Aguiar-Branco, "o essencial é a matéria relacionada com o condicionamento do exercício de liberdade de expressão em Portugal", que, acrescentou, é conhecida do país "desde sexta-feira", quando o jornal Sol publicou um despacho do juiz de instrução criminal do processo Face Oculta, António Costa Gomes, que aponta para a existência de "indícios muito fortes da existência de um plano" do Executivo para controlar a TVI e afastar a jornalista Manuela Moura Guedes e José Eduardo Moniz, antigo director-geral da estação televisiva.

José Sócrates, prosseguiu o dirigente social-democrata, "podia ter aproveitado a ocasião para prestar os esclarecimentos que permitissem restaurar a confiança dos portugueses quer no Governo, que na função que exerce".

A uma pergunta sobre as questões que pretende ver explicadas pelo primeiro-ministro, o líder da bancada parlamentar do PSD respondeu: "Eu não sou jornalista. É do conhecimento público um conjunto de notícias. E eu registo que só ao fim de cinco dias é que o senhor primeiro-ministro se prestou a falar sobre essa matéria e fê-lo de uma forma para se vitimizar e para desviar a atenção do essencial, que é o condicionamento do exercício da liberdade de expressão em Portugal".

CDS-PP quer esclarecimento "cabal"

Também o CDS-PP refuta as acusações de José Sócrates. Pedro Mota Soares, líder parlamentar do partido de Paulo Portas, afirma mesmo que "quem trouxe este caso para a política foi o secretário-geral do PS, José Sócrates, que num congresso elegeu uma televisão, um director de uma televisão e um programa como adversários".

À margem da inauguração do novo edifício do Parque Tecnológico de Cantanhede, Sócrates reiterou que "nunca o Governo deu nenhuma orientação" à Portugal Telecom para adquirir a TVI, acrescentando que "todos aqueles que referem uma ligação entre Governo e PT no que diz respeito à intenção da PT de comprar a Prisa estão a faltar à verdade".

A posição do chefe do Governo foi repercutida, ao fim da tarde, pelo ministro da Justiça, Alberto Martins, que considerou "descabidos", "inaceitáveis" e "um perigoso precedente" aquilo que disse serem os "ataques" ao Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, e ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, ambos personalidades "relevantes" do Estado de Direito.

Mota Soares recorda que o primeiro-ministro declarou, no passado, "coisas diferentes" sobre o negócio gorado de compra da TVI pela empresa de telecomunicações: "Num primeiro momento disse que não sabia, que não tinha conhecimento de qualquer intromissão. Num segundo momento já veio dizer que não tinha qualquer conhecimento oficial. O que nós queremos é um esclarecimento cabal".

"O que o CDS-PP quer saber é tão somente isto: se houve ou não uma intromissão do Governo através de uma empresa na qual o Estado tem uma posição relevante numa estação de televisão".

Sócrates "anda a fugir"

O líder parlamentar do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza, vê nas palavras do primeiro-ministro uma estratégia de fuga. No entender do deputado bloquista, José Sócrates "há meses que anda a fugir a responder à questão política e é da questão política que se trata".

"Uma vez mais, voltou a não responder à questão política, saber se houve ou não houve promiscuidade entre empresas de capital público e grupos de comunicação social para a compra de uma estação de televisão e mudança da respectiva linha editorial. Sobre isto o senhor primeiro-ministro há meses que nada diz", reforçou José Manuel Pureza.

O Bloco de Esquerda, afiançou, não tenciona tratar "nenhuma questão judicial", antes "a questão política sem qualquer dimensão judicial".

"É só essa que nós queremos tratar, porque está instalada em Portugal uma dúvida funda sobre a seguinte questão: há ou não há, houve ou não houve promiscuidade entre o poder político governamental e grupos empresariais de propriedade pública para efeitos de compra, aquisição, de uma estação de televisão e para mudança da respectiva linha editorial", insistiu o líder do grupo parlamentar do BE.

"Um esclarecimento ao país"

Em Cantanhede, José Sócrates frisou ainda que "o que não é bonito é tentar aproveitar crimes que foram cometidos para agora atacar o Procurador-Geral da República e o presidente do Supremo Tribunal de Justiça". Uma afirmação produzida no dia em que a Associação Sindical dos juízes Portugueses pediu que Pinto Monteiro e Noronha Nascimento clarifiquem os factos que os levaram a desvalorizar indícios recolhidos no inquérito do processo Face Oculta, "para que de uma vez por todas não fique qualquer dúvida sobre os seus procedimentos e decisões".

Na mesma linha dos demais partidos da Oposição, o PCP reitera que Sócrates continua a dever "um esclarecimento ao país". Quanto à acusação de aproveitamento de "um crime", o líder parlamentar dos comunistas, Bernardino Soares, lembra que o partido esteve "sempre" contra "a divulgação de material que estivesse em segredo de justiça e a divulgação abusiva de escutas".

"O primeiro-ministro continua a não dar explicações sobre o conteúdo das matérias que foram reveladas, que são da maior gravidade. Independentemente de outras considerações acerca da sua divulgação, aquele conteúdo, aqueles factos que não são desmentidos pelo primeiro-ministro exigem um esclarecimento ao país", defendeu Bernardino Soares.

"Precisamos de saber o que é que o senhor primeiro-ministro tem a dizer sobre os factos que foram revelados publicamente de démarches, de conversas suas, indicações que terá dado sobre matéria da comunicação social. Esse esclarecimento é puramente político e a ele o senhor primeiro-ministro não pode fugir", rematou o dirigente comunista.

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