Partidos apontam incoerência entre palavras e atos de Costa

por Raquel Ramalho Lopes - RTP
Na mensagem, António Costa defendeu que Portugal já superou os anos mais difíceis e está atualmente melhor, mas com muito trabalho pela frente António Cotrim - Lusa

O PSD contesta a leitura que o primeiro-ministro fez do contexto económico e social português, durante a mensagem de Natal. Os restantes partidos apontaram a falta de coerência entre as palavras e as ações do Governo de António Costa. O CDS-PP também acusa o Executivo de ser “o campeão das cativações”, com impacto nos serviços públicos.

Na mensagem de Natal, António Costa definiu dois grandes desafios para 2019.

O primeiro é “o pleno aproveitamento do território” e o primeiro-ministro propõe a valorização dos “recursos desaproveitados”, como o mar e o interior do continente, onde se impõe "aproveitar o seu potencial e a proximidade a um grande mercado ibérico de 60 milhões de consumidores".

O segundo é o desafio demográfico “que não podemos resolver só com a imigração. É absolutamente essencial que os jovens sintam que têm em Portugal a oportunidade de se realizarem plenamente do ponto de vista pessoal e profissional, e assegurar uma nova dinâmica à natalidade".

PSD ouviu “discurso de fantasias”
O PSD tardou em reagir, mas não poupou nos adjetivos. “Foi um discurso de fantasias”, resumiu André Coelho Lima. “É preciso adesão à realidade e não apenas uma mensagem que hoje em dia se queira ouvir”, acrescentou o elemento da comissão política nacional do PSD.

Numa conferência de imprensa agendada para reagir à leitura política e social feita pelo primeiro-ministro na mensagem de Natal, André Coelho Lima criticou o facto de Portugal não estar a utilizar o crescimento – que António Costa diz ser maior do que a média da União Europeia, mas que o PSD nota ser o quarto menor PIB da Zona Euro – “para aproveitar para projetar o futuro”.

"Como garantir a continuidade deste percurso quando temos um percurso que só olha para o presente, que não aproveita as excecionais condições desta legislatura preparar futuro, para projetar futuro", questiona.

O social-democrata sustenta ainda que “ter as contas certas”, conforme se regozija o primeiro-ministro, não é possível com o aumento da dívida pública em 20 mil milhões de euros.

O dirigente do PSD também contraria a reivindicação de António Costa de uma “maior justiça social”. “Temos hoje a maior carga fiscal da história de Portugal” e “estão já anunciados aumentos para 1 de janeiro”, sublinha.

Coelho Lima admite dificuldade em comentar a intenção de "continuar o investimento de qualidade nos serviços públicos”, em particular a escolha do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e do setor dos transportes para exemplos deste reforço.

Considerando que o Governo está a proceder à “destruição do SNS” através do continuado desinvestimento, André Coelho Lima aconselha ao primeiro-ministro uma abordagem ao tema com “um outro recato, um outro cuidado”.

Por fim, o PSD contesta a intenção do Governo em “fazer um melhor aproveitamento do território com transportes públicos mais baratos”, justificando que a solução apenas se aplica às áreas metropolitanas de Lisboa e de Porto "ignorando (António Costa) todo o restanto território".

Para o social-democrata, a proposta limita o território português a Lisboa e Porto, não se constituindo uma verdadeira política de coesão territorial.
CDS-PP critica carga fiscal
O CDS-PP não perdeu tempo a apontar a incoerência de António Costa.

"Temos um primeiro-ministro que fala da demografia, do interior de Portugal, das empresas, dos serviços públicos, do Sistema Nacional de saúde” mas que chumbou as propostas do CDS-PP no Parlamento para “apoiar as famílias, para baixar os impostos sobre o trabalho de quem está no interior do país, para baixar os impostos às empresas que criam emprego e criam riqueza”, contrapôs Pedro Mota Soares.

O deputado democrata-cristão acrescenta que Governo de António Costa "fez as maiores cativações e apresentou os piores serviços públicos, quer nos transportes, na saúde, até na segurança dos portugueses".

"É responsável pela maior carga fiscal de sempre, a começar pela gasolina e pelo gasóleo", indicou. Por isso, o deputado do CDS-PP sustenta que o partido que representa é “a única alternativa ao Governo do PS”.
PCP vê “contradição inequívoca”
Para o PCP, o discurso do primeiro-ministro revela uma “contradição inequívoca” entre as preocupações que António Costa diz ter e as políticas desenvolvidas pelo Governo.

O dirigente comunista Jorge Pires questiona particularmente a intenção de António Costa dar “continuidade” a um percurso de "melhoria sem riscos de retrocesso" do país, em paralelo com a garantia de que "cada vez mais pessoas beneficiem na sua vida das melhorias" alcançadas.

A ação do Executivo "vai no sentido oposto do que ele (primeiro-ministro) acha que deve ser o caminho para melhorar as condições de vida, aumentar o crescimento económico" ou repor direitos e rendimentos, acusa Jorge Pires.

De acordo com o dirigente do PCP, a contradição é mais evidente no que respeita aos direitos dos trabalhadores, com o Governo a associar-se "ao grande patronato e fazer aprovar legislação laboral que vai exatamente ao contrário daquilo que é a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores".

O dirigente do PCP aponta ainda a redução das responsabilidades do Estado nos serviços públicos, em áreas como os transportes, saúde ou a cultura.

As paralisações nos últimos dias no setor dos transportes têm a ver com essa falta de investimentos, afirmou Jorge Pires.
Bloco não quer ouvir falar em “risco de retrocesso”
Na mensagem, António Costa defendeu que Portugal já superou os anos mais difíceis e está atualmente melhor, mas com muito trabalho pela frente, devendo superar "grandes desafios" como a demografia e a valorização do território.

Concordando com a “análise” do primeiro-ministro, a eurodeputada do Bloco de Esquerda Marisa Matias lamenta que António Costa não retire consequências "na sua totalidade".

"Entendemos que se devem retirar consequências de uma análise correta de dizer que há muitas coisas que precisam de ser melhoradas. Nós estamos de acordo em relação a essas questões que têm que ser melhoradas, mas as consequências têm que vir daí", defendeu a também dirigente bloquista.

A alusão aos "risco de retrocesso" feita por António Costa suscitou, no Bloco de Esquerda, o alerta: "não é bom repetir em 2018 uma frase da direita de 2014".

"O risco de retrocesso que nós enfrentamos é o não crescimento e descurar as políticas públicas. Isso é o verdadeiro risco de retrocesso e por isso, nesse sentido, creio que não podemos, de maneira nenhuma, voltar a soluções que se provaram erradas e que justificaram na altura os cortes permanentes", avisou Maria Matias.

A eurodeputada pede a António Costa mudanças na relação com a banca e com Bruxelas.

"Desde logo não tivemos ainda uma rutura com as políticas de favorecimento do sistema financeiro e basta pensarmos no que tivemos nos últimos anos em relação ao Banif, ao Novo Banco, ao peso dos juros da dívida na nossa economia", criticou.

Marisa Matias contrapõe à "obsessão com as metas do défice de Bruxelas" de António Costa, a "verdadeira preocupação" do Bloco de Esquerda com o défice social.

"De cada vez que se procura ficar além das metas o que estamos a fazer é desinvestir no nosso país, é não combater com todos os meios a pobreza que ainda existe em Portugal, é não investir no Serviço Nacional de Saúde, é não dar resposta aos cuidadores e cuidadoras informais que não têm ainda nenhuma resposta, é continuarmos a ter políticas que não promovem, por exemplo, a verdadeira coesão territorial, do que o primeiro-ministro falou", lamentou.

Além do território e da demográfica, a dirigente bloquista pediu ao Governo "uma estratégia para as alterações climáticas", que na sua opinião é um terceiro desafio que se coloca ao país.

No discurso, António Costa procurou salientar a ideia de que não se ilude pessoalmente nem os portugueses se podem iludir com os números.

"Nós não nos iludimos com os números também e não nos iludimos com aquilo que têm sido as políticas sistemáticas de favorecimento do setor financeiro. As nossas preocupações são outras", retorquiu Marisa Matias aos jornalistas.
PS recebe mensagem “realista e inconformada”
O deputado do PS Hugo Pires considerou que a mensagem de Natal do primeiro-ministro foi "serena, realista e inconformada", defendendo que "ainda é preciso caminhar" apesar do "muito já foi feito" para melhorar a qualidade de vida dos portugueses.

É uma mensagem na qual "o PS se revê na integra, com muita humildade", uma vez "que não está tudo feito, ainda é preciso caminhar muito, mas que muito já foi feito".

Na perspetiva do deputado socialista, a mensagem de Natal de António Costa foi serena porque Portugal vive "tempos mais sossegados, mais tranquilos", com "contas certas" e, "pela primeira vez neste século", com a economia a crescer "mais do que a média europeia".

"Depois realista porque, apesar de este Governo ter travado a fundo o caminho do empobrecimento que Portugal estava a seguir e sendo hoje inegável a melhoria das condições de vida dos portugueses, é preciso fazer mais", referiu, apontando a intenção de ter melhores salários, trabalho digno" e investimentos "em saúde, educação e infraestruturas".

A mensagem de António Costa aos portugueses foi "inconformada porque fala dos dois grandes desígnios" para o país, como a "valorização do território e demografia", justificou Hugo Pires.

c/ Lusa
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