PCP escolheu dois dirigentes para substituir Jerónimo para afastar ideia de sucessão

O historiador João Madeira considerou hoje que o PCP escolheu dois dirigentes para substituir provisoriamente o secretário-geral na campanha eleitoral para não espalhar a ideia de que já havia um sucessor natural a Jerónimo de Sousa.

Lusa /

Contactado pela agência Lusa, João Madeira, que faz parte do Instituto da História Contemporânea e tem no PCP e nas oposições ao Estado Novo uma das principais temáticas de investigação, realçou a escolha de dois dirigentes do partido para substituírem Jerónimo de Sousa enquanto está a recuperar de operação de urgência à carótida interna esquerda.

"A substituição na campanha não foi feita apenas por um indivíduo, poderia apontar para alguém que lhe sucederia, que, normalmente, é apontado o caso do João Ferreira. O que é certo é que o João Oliveira também aparece agora", sustentou.

O historiador, que é o autor de obras como "História do PCP" e "Os Engenheiros de Almas: o Partido Comunista e os Intelectuais", opina que esta escolha foi uma "nota que o próprio partido queria dar para não espalhar a ideia de que havia um sucessor natural, que seria aquele que o substituiria agora".

João Madeira considerou que João Ferreira, atualmente vereador na Câmara Municipal de Lisboa, "parece apontar" para a escolha mais provável, por "não haver outro candidato" do PCP nos últimos atos eleitorais com a mesma proeminência: foi candidato à Presidência da República e eurodeputado durante mais de uma década.

"Esses sinais poderão querer dizer alguma coisa, mas também poderão não querer dizer nada", reconheceu, lembrando que "há uma tradição de trocar as voltas de que o PCP gosta muito".

Por outro lado, João Oliveira, líder parlamentar do PCP, "tem representação institucional e isso terá importância no processo de escolha". É também membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, assim como João Ferreira.

Ainda assim, João Madeira é da opinião que há um processo invisível a olhos exteriores e que não é evidente no que diz respeito à escolha do próximo secretário-geral do PCP.

"Francisco Lopes há uns anos era apontado como sucessor natural [de Jerónimo de Sousa]. Era o homem do aparelho que faz as ligações aos distritos com mais força, como é o caso de Setúbal", recordou.

Para o investigador, a eventual sucessão de Jerónimo de Sousa não está para breve, mas o processo poderá já estar em curso, ainda que invisível: "Esse `curso de água` que é natural, o curso de água da sucessão, neste momento tem de passar por uma fase subterrânea e que não conseguimos perceber o efeito do percurso dele, não está à nossa vista, mas o curso é esse, será substituído por alguém mais jovem, numa linha de continuidade".

Jerónimo de Sousa é o segundo secretário-geral do PCP a fazer uma operação cirúrgica, depois de Álvaro Cunhal ter sido operado a um aneurisma, ainda na antiga União Soviética, em 1989.

O PCP anunciou hoje que o secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa, 74 anos, vai ser submetido a uma operação urgente "da estenose carotídea (à carótida interna esquerda)" na quarta-feira e vai falhar a primeira parte da campanha das legislativas enquanto estiver a recuperar.

Até lá, será substituído por João Ferreira, ex-candidato presidencial e vereador da CDU na câmara de Lisboa, e pelo líder parlamentar do PCP, João Oliveira, ambos com menos de 45 anos.

Em 1989, Álvaro Cunhal vai à União Soviética, então sob a liderança de Mikhail Gorbatchov, para ser operado a um aneurisma da aorta. Dois anos depois, começa a sucessão, com a escolha de Carlos Carvalhas, primeiro como secretário-geral adjunto e depois como líder.

A razão da sua ida à URSS não foi revelada antecipadamente nem mesmo ao Comité Central e, na altura, o partido desmente que o secretário-geral esteja doente.

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