Pedido de aclaração "não tem qualquer base legal" à luz do novo Código do Processo Civil

Lisboa, 03 jun (lusa) -- O professor catedrático Luís Menezes Leitão considerou hoje que o pedido de aclaração que o Governo pediu à presidente da Assembleia da República que solicitasse ao Tribunal Constitucional "não tem qualquer base legal" no novo Código de Processo Civil.

Lusa /

"O presente pedido de aclaração não tem qualquer base legal, com base no novo Código de Processo Civil de 2013, que o próprio Governo fez aprovar", concluiu Menezes Leitão, quando confrontado pela Agência Lusa com o documento oficial em que o Governo anuncia essa intenção.

Analisado o documento, o professor de Direito é de opinião que parece haver "uma grande confusão" neste pedido de aclaração que o Governo pediu a Assunção Esteves que solicitasse ao Tribunal Constitucional (TC).

"É um facto que, com base na disposição do artigo 669.º do anterior Código do Processo Civil, que permitia às partes pedir o ´esclarecimento de alguma ambiguidade ou obscuridade da decisão´, o TC tem apreciado pedidos de aclaração, assim acontecendo nos Acórdãos 429/91, 1145/96, e 128/2003, citados pelo Governo. Sucede, porém, que esses pedidos de aclaração foram todos indeferidos, por o Tribunal ter considerado não existir qualquer obscuridade ou ambiguidade nas suas decisões", refere Menezes Leitão.

Atualmente -- explicou ainda -- foi eliminada, no atual Código do Processo Civil, a possibilidade de solicitar a aclaração das decisões, já que o correspondente artigo 616.º do novo Código apenas prevê o pedido de reforma da sentença quanto a custas e multa.

"Hoje não é possível por isso pedir aclarações. Por esse motivo, o Governo vem invocar os preceitos dos artigos 614º, nº 1, e 615º, nº 1, c), do novo Código de Processo Civil. Só que a primeira norma refere-se antes à existência de erros materiais (erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto), o que não é o caso. Já a segunda norma refere-se ao facto de a sentença ser nula por existir alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, o que também não é o caso", conclui.

Pelo exposto, Menezes Leitão sustenta que o "presente pedido de aclaração não tem qualquer base legal, com base no novo Código de Processo Civil de 2013, que o próprio Governo fez aprovar".

Na carta enviada pelo primeiro-ministro à presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, Pedro Passos Coelho sublinha que "na análise do acórdão e dos seus fundamentos foi detetado um conjunto de questões de ambiguidade ou obscuridade para cujo esclarecimento é ainda e também competente o Tribunal Constitucional (TC)".

O chefe de Governo lembra ainda que o autor das normas declaradas inconstitucionais é a Assembleia da República, apelando por isso a que "num espírito de cooperação interinstitucional", Assunção Esteves promova junto do TC a aclaração de duas matérias: por um lado, que esclareça os efeitos do acórdão no pagamento dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e, por outro, que clarifique se a decisão dos juízes se aplica a partir de 30 ou 31 de maio.

Ouvidos pela Lusa, os constitucionalistas Jorge Miranda e Bacelar Vasconcelos consideraram que o pedido de aclaração "não tem efeitos suspensivos" quanto à decisão de sexta-feira.

O Tribunal Constitucional disse à Lusa que não se pronuncia sobre pedidos que não deram entrada, a propósito do pedido de aclaração que o Governo pretende que seja solicitado aos juízes através da Assembleia da República.

A presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, convocou para quarta-feira, às 14:30, uma conferência de líderes extraordinária para debater o pedido de aclaração que o Governo pretende que seja solicitado ao Tribunal Constitucional através do parlamento.

Na sexta-feira, o TC chumbou três normas do Orçamento do Estado para 2014, incluindo o corte dos salários dos funcionários públicos a partir dos 675 euros.

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